terça-feira, 21 de julho de 2020

Ornitomancia, parte 1 - Augúrios Tradicionais na Religio Romana

   A ornitomancia, ou divinação com aves, é uma prática divinatória que existe desde que existe divinação como ato mágico e intencional - afinal, pássaros eram, e ainda são, vistos como mensageiros divinos, capazes de fazer a conexão entre a terra e os céus, ou seja, mundano e divino.
   Por sua existência generalizada nos povos da antiguidade, esse tipo de divinação ocorreu de forma muito particular em cada cultura ou religião. Os gregos a praticavam desde tempos primordiais, pois aparece em vasos arcaicos e é citada por Hesíodo e Homero. Tribos Indígenas norte-americanas, druidas célticos, até entre os mesopotâmios há relatos de divinação envolvendo aves. Mas foi na espiritualidade do povo romano que essa arte se aperfeiçoou em muitos níveis, recebendo um local de destaque na estrutura social e religiosa do Império. Portanto, começaremos os estudos na ótica tradicional da Religio Romana, antes de partirmos para a ornitomancia moderna.
   Antes da fundação da cidade em si, já haviam sacerdotes denominados augurs, que "praticavam os auspícios" através da observação de aves. Nas Tábuas de Iguvine (que datam do terceiro século antes de Cristo), há inscritos religiosos que apresentam, dentre outras práticas, a da ornitomancia nas tribos latinas. A própria lenda de criação de Roma é baseada em um augúrio, no qual Romulus e Remus atuam como os augurs.
   O termo "auspicium" se referencia ao processo técnico da divinação, e o termo "augurium" se referencia à interpretação, a ação favorecida pelos deuses, o aconselhamento resultado da divinação. Existiam inclusive colégios sacerdotais dedicados a supervisionar essa atividade, que tinha papel central em grande parte das decisões públicas e privadas tomadas na sociedade romana - por exemplo, assuntos de guerra, comércio, e religião. No entanto, os augúrios romanos também eram praticados com outros animais ou fenômenos da natureza, e nesse texto manteremos o foco na divinação com aves e pássaros.
   Para os romanos, apenas algumas espécies de pássaros indicavam sinais divinatórios, e essas eram denominadas aves augurales. A mensagem varia de acordo com a espécie observada. Tradicionalmente, alguns dos pássaros incluíam: corvos, pica-paus, corujas, urubus, e águias. Havia uma hierarquia de importância também, com alguns pássaros representando sinais menos relevantes em relação a outros.
   Os sinais podiam ocorrer naturalmente, por vontade dos deuses (oblativa), ou podiam ser requisitados pelo sacerdote (imperativa). No caso dos avibus auspicia, os auspícios de aves, eram subdivididos em duas categorias:

Alites, do vôo. Incluíam a região do céu em que o pássaro estava (pois os sacerdotes delimitavam quadrantes no céu), altura e tipo de vôo, comportamento das aves e local onde possa ter parado para descansar.
Oscines, da voz. Incluíam o timbre, volume e direção do som. O tipo de chamado também tinha grande impacto no augúrio.

   Para a divinação imperativa, ou seja, requisitada pelos homens, primeiro se fazia a delimitação do espaço ritualístico (templum), que deveria ser quadrado e ter apenas uma entrada, e em seguida a purificação do ambiente. Depois, o augur se virava de frente para a direção Sul e fazia a enunciação de pedido de augúrio, sob rigoroso silêncio durante todo o processo.
   Há um protótipo para requisição de augúrio descrito na inauguração do rei Numa Pompilius, que dita que o sacerdote (augur) pergunta para a divindade: "Se for da justiça divina que certa coisa seja feita, mande-me um sinal", e então fala o auspicia que deseja ver, ou seja, o pássaro ou movimento que confirma a mensagem esperada. Assim que a confirmação é observada, o rei é coroado.
   Cícero também relata uma divinação por ornitomancia na história de Attius Navius, que serve como um ótimo direcionamento, ainda que simples,  para a prática da ornitomancia: "Ele havia nascido em uma família muito pobre. Um dia, perdeu um de seus porcos. Prometeu aos deuses que se o encontrasse, ofertaria a eles as maiores uvas de seu parreiral. Depois de recuperar o porco, ele ficou de pé no meio do seu vinhedo, de frente para o sul. Dividiu o céu em quatro seções e observou os pássaros: quando eles apareceram, ele andou naquela direção e encontrou uma uva extraordinariamente grande, que ofertou aos deuses. Sua história ficou imediatamente famosa, e se tornou o augur do rei. Portanto, é considerado o patrono dos augurs."
   A interpretação dos sinais era muito vasta e complexa, por vezes gerando sentimentos muito fortes nos sacerdotes quando indicavam mensagens negativas. Nesse caso, havia muitas técnicas aceitas oficialmente para evitar o augúrio, e negar a previsão. Entretanto, se tornaram fonte de manipulações e fraudes quando usadas por pessoas que desejavam alterar decisões públicas, ou que afetavam outros indivíduos. Algumas delas incluíam recomeçar do zero o processo de divinação, recusar com um gesto de mãos, evitar olhar para o auspício, alegar que pode ter havido um erro, declarar que não aconteceu, ou insinuar que os outros não prestaram atenção. Obviamente, essas técnicas devem permanecer no passado, onde nem mesmo deveriam ter existido!

Muitas informações do livro "De Divinatione", de Cicero.
Muitas informações daqui.
Algumas informações daqui.

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A dar amor ao meu filho de penas,
   Alannyë Daeris.

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