Assim como não reutilizamos os pratos sujos de comida sem antes lavá-los, não devemos movimentar energias e realizar atividades espirituais com os Deuses se estamos portando impurezas energéticas, que inevitavelmente vão se acumulando no cotidiano sem que notemos. O conceito de pureza a que os egípcios se referiam nada tem a ver com "pecados" ou "virtudes", e sim com a importância de estar adequadamente asseado e harmonizado na hora de realizar atos devocionais ou mágicos, ainda que palavras nocivas e comportamentos negativos que realizamos possam gerar isfet (caos e desordem), e consequentemente nos tornar impuros até que tomemos uma atitude para retirar tais energias. Portanto, a purificação é o processo de nos consagrarmos para um momento sagrado.
Os elementos básicos de purificação dentro da religião egípcia são água e natron, um mineral composto por carbonato de sódio, bicarbonato de sódio, sal e sulfato de sódio, com alto poder antisséptico. O natron era utilizado pelos antigos egípcios na higiene bucal, corporal, na limpeza da casa, como inseticida, e era um ingrediente chave no processo de mumificação. É capaz de purificar e proteger espiritualmente tanto os vivos quanto os mortos, e é muito evidente sua importância simbólica dentro do Kemetismo. O próximo post dessa série será sobre ele!
A palavra W'ab significa "pureza, higiene, banhar-se, tornar puro", e pode ser representada pelo hieróglifo A6 (um homem em posição de henu/saudação com um jarro vertendo água sobre sua cabeça, cujo significado varia bastante de acordo com o contexto), ou pelo hieróglifo D60 (um jarro com pés, vertendo água, cujo significado é ser ou estar limpo), ambos demonstrados na imagem ao lado. O segundo símbolo indica que a purificação é um processo contínuo, como um caminho que precisa ser percorrido sempre que uma prática espiritual for realizada. E pela presença da água nos hieróglifos, também podemos deduzir que a limpeza espiritual obrigatoriamente envolve a limpeza física, uma depende da outra.
No Egito Antigo, os templos só permitiam a entrada de visitantes segundo rígidas normas de pureza, que podiam incluir o jejum de determinados alimentos (como cebola roxa e carne de asno, porco ou peixe) por vários dias antes da visitação, banhos de natron, depilações (para evitar a proliferação de piolhos) e proibição de contato com determinadas pessoas e situações consideradas impuras. As regras de pureza eram significativamente mais rígidas para sacerdotes e funcionários dos templos, estendendo-se também às suas atitudes e comportamentos, que precisavam ser exemplares e atender aos 42 Ideais de Ma'at.
TT96, Complexo de Tumbas de Sennefer. |
Na modernidade, a purificação para feitiços, rituais e conexões com os Deuses egípcios não exige jejuns nem as práticas que eram realizadas nos templos antigos; entretanto, a pureza ainda é um conceito fundamental. Antes de rituais e celebrações mais elaboradas, é ideal que o praticante realize a higiene normal do corpo - escove os dentes, tome um banho completo (com natron ou ervas), e apare os pelos e unhas. Em práticas mais simples, como meditações e orações, ou quando não for possível realizar toda a rotina de higiene, é suficiente lavar as mãos e o rosto, escovar os dentes.
O estado de pureza também se aplica ao ambiente e altar onde a prática será realizada, portanto, separe alguns minutos antes de começar para varrer o chão, organizar o recinto, tirar o pó do altar e dos instrumentos, e outras arrumações ou limpezas que se mostrem necessárias no local. Só então é possível seguir para a purificação espiritual do ambiente, que pode ser feita aspergindo natron e água, defumando com incensos naturais (nunca os de vareta feitos de carvão), sinos e sons, manipulação energética e diversos outros métodos. Existem alguns ingredientes que não devem ser utilizados nas práticas ou altares keméticos por serem considerados impuros, como é o caso dos incensos de vareta indianos, compostos de carvão e esterco de vaca, um material altamente inadequado na visão egípcia.
É recomendado que praticantes mantenham uma rotina de purificações frequente, se possível diária ou semanal. Uma prática diária simples é lavar o rosto, as mãos e a boca com natron pela manhã, ou logo antes das suas atividades espirituais, se não for de seu costume ou possível se banhar por inteiro. Além da higiene física, a purificação pode envolver defumações, sons e sinos, abanilhos (leques de penas) e vassouras ritualísticas, ou outros métodos de sua preferência - portanto, o natron não é um ingrediente obrigatório para alcançar um estado de pureza satisfatório, mas é recomendado que se tente usá-lo sempre que possível antes de rituais e feitiços na presença dos Netjeru (Deuses egípcios).
Referências de Concepts of Purity in Ancient Egyptian - Quack, J. F.
A purificar meu coração,
Alannyë Daeris.
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