terça-feira, 15 de março de 2022

Shabtis, ou Ushabtis

   Shabtis, ou Ushabtis, como passaram a ser denominados a partir da 21ª Dinastia, são estátuas egípcias costumeiramente traduzidas como "serventes", que podem ser entendidas como substitutos do falecido no pós-vida. Essas estatuetas funcionam como um veículo para o Ka ("alma") do indivíduo receber oferendas; e também possuem o propósito fundamental de servir como trabalhadores braçais na produção de alimento nos Campos de Juncos, onde os espíritos dignos vivem na eternidade. A ocorrência mais antiga da palavra até então data de uma tumba da 11ª Dinastia, em que SAbty é uma designação para um membro da criadagem trazendo aves, mas o termo evoluiu e se modificou bastante com o avançar das eras na cultura e religiosidade egípcia.
Arte da Tumba de Sennedjem
(TT 1) em Deir el-Medina, com o
falecido e sua esposa trabalhando
nos Campos de Aaru, o pós-vida.
   Para entender plenamente o conceito dos serventes Shabtis, é importante compreender a visão kemética acerca dos Campos de Juncos/Aaru, que não é um "paraíso tedioso" sem quaisquer compromissos, mas um local onde os falecidos prosseguem realizando as atividades normais que eram feitas quando em Terra, e isso inclui a agricultura, pecuária, pesca e caça. Porém, é interessante notar que os Shabtis eram direcionados para substituir somente as atividades laboriosas e consideradas desagradáveis, e nunca para substituir os prazeres que a pessoa poderá experimentar no pós-vida, como comer, beber, amar e interagir com quem ama.
   Os precursores dos Ushabtis encontrados remontam ao Primeiro Período Intermediário, e podiam ser confeccionados de cera ou argila, e eram modelados com os braços estendidos ao longo do corpo e as pernas unidas, enrolados em linho e colocados em pequenos sarcófagos retangulares nas tumbas. As primeiras estatuetas mumificadas representantes do falecido como um "sah" (espírito dignificado e divino) surgiram nas Dinastias 12ª e 13ª, algumas com nomes e títulos, e outras inscritas com um texto simples atribuído aos shabtis, em que o conceito parece existir de forma rudimentar.
Shabti-stick com sarcógafago.
   No Império Médio, a prática caiu em desuso até reaparecer na 17ª Dinastia em Tebas, no formato de Shabti-"sticks" (Shabtis-vareta em tradução livre), estatuetas confeccionadas grosseiramente em madeira e dedicadas em celebrações funerárias nas tumbas. Sua funcionalidade era representar os Kas de parentes e entes queridos, colocadas perto do falecido do lado de fora da câmara da tumba, para simbolizar que seus espíritos continuarão próximos e se encontrarão também no pós-vida. Também eram dispostas próximos a regentes divinos que variavam de acordo com o Netjeru cultuado no local (Osíris em Abydos, Sokar em Saqqara e Giza, Ápis em Serapeum), podendo partilhar das oferendas ritualísticas dadas a essas divindades.
   A partir do Império Novo, os Ushabtis passaram a ser representados com o corpo mumificado, um rosto visível e com peruca, e muito frequentemente as mãos expostas, especialmente quando seguram objetos ou acessórios. Os Ushabtis costumam levar adornos característicos - Shabtis reais portam coroas, uraeus ou nemes por exemplo -, como ferramentas de agricultura, jarros de água, sacos, jugos de gado, moldes de tijolo, mas também podiam carregar nas mãos conceitos como a ankh, amuletos djed e tyet (Nó de Ísis), e pássaros Ba. Também foram encontrados Shabtis com cabeças de animais, ajoelhados moendo milho, em pares, e outras posições.
Shabti da 19ª Dinastia
(aprox. 1275 a.C.), de
pedra-sabão. British
Museum, EA65206
.
   Por influência do Período Amarna no final da 18ª Dinastia (considerada a primeira do Império Novo), um novo tipo de Ushabtis surgiu, em que o falecido não é mais representado mumificado como um Sah, mas usando as roupas comuns de seu dia-a-dia. Conforme o Império Novo avançava, o número de Shabtis por enterro aumentou consideravelmente, enquanto seus tamanhos foram diminuindo de forma proporcional; o crescimento da demanda incitou a produção em massa por meio de moldes. Em aspectos conceituais, os Ushabtis deixaram de ser considerados servos familiares para se tornarem escravos indiferentes, obrigados a atender ao seu senhor quando chamados.
   Quanto ao material, os Shabtis foram confeccionados em madeira, faiença, pedra, argila, cerâmica, vidro e bronze, variando de acordo com o período e as preferências da época, tornando-se mais populares com o passar do tempo. Inicialmente eram colocados em sarcófagos individuais ou em pequenos templos, e no período Ramessida também foram armazenados em jarros de cerâmica com tampas de cabeça de chacal (para diferenciar dos jarros canópicos de Duamutef).
Caixa shabti datada do
Império Novo. British
Museu, EA41548.
   Com o aumento do número de Shabtis inclusos em cada sepultamento particular, tanto de nobres e pessoas mais abastadas quanto de classes mais baixas, as estatuetas começaram a ser armazenadas em templos múltiplos, ou em caixas pintadas e decoradas com cenas mitológicas e inscrições. Na imagem ao lado há um exemplo de caixa de shabtis de madeira, que continha 12 estatuetas, 6 em cada repartimento com sua respectiva tampa.
   Se tornou muito comum também que esses servos fossem dispostos ou enterrados livremente na tumba, soltos próximos da múmia, colocados em buracos ou em qualquer espaço disponível dentro ou fora do local do enterro, sem nenhuma caixa ou sarcófago acompanhando.



A Fórmula Shabti 


   São distinguidas pelo menos sete versões diferentes da fórmula, e cada uma delas com várias outras variantes. A versão mais antiga é a dos Textos dos Sarcófagos (Coffin Texts) 472, que foi encontrado em dois ataúdes em Deir el-Bersha, com o título: "Fórmula/feitiço para fazer um shabti realizar labuta por seu mestre no reino dos mortos". Também ocorre no Livro de Emergir ao Dia (Livro dos Mortos - Book of the Dead) como a Spell 6 ou 151 na parte relacionada à câmara de sepultamento. Foi a partir da 17ª Dinastia que a fórmula passou a aparecer com maior frequência inscrita nas estatuetas Shabtis, e durante o Império Médio, as inscrições costumavam ser limitadas ao nome do falecido, títulos caso possuísse, às vezes introduzidas por uma fórmula Hetep di Nisut.

Fórmula/feitiço para fazer um shabti realizar labuta por seu mestre no Khert-Neter. Para ser recitado por N: "Ó esses shawabtis, se alguém contabilizar o Osíris N para fazer qualquer trabalho que precise ser feito lá no reino dos mortos, e ele, de fato, deve obedecer lá a fim de agir como um homem em suas obrigações, então ele contabiliza em respeito a você, em qualquer momento em que ele deva servir, seja lavrando os campos, irrigando as terras ribeirinhas, transportando de barco a areia do Oeste e do Leste, 'Eu o farei, aqui eu estou', você deve dizer." (Traduzido livremente a partir do Spell 6 do Book of the Dead; Lapp 1997: pl. 62)


A apreciar os servidores ancestrais do além,
   Alannyë Daeris

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Tenha responsabilidade ao comentar! Ofensas religiosas ou de quaisquer tipo de preconceito terão consequências.