terça-feira, 24 de setembro de 2024

Conhecendo o Oráculo: Grand Jeu Lenormand

   O Grand Jeu Lenormand (ou Grande Jogo Lenormand, na tradução) é um baralho europeu publicado pela primeira vez em 1835 pela editora Grimaud, dotado de pouca popularidade em dias contemporâneos, inclusive no seu continente de origem. É composto de 54 cartas ricas em simbolismo alquímico e referências mitológicas, e apesar do que o nome sugere, não se trata de uma versão maior do Petit Lenormand, e nem possui qualquer relação com esse outro oráculo de cartas, popularizado no Brasil como "baralho cigano".
   Nesse oráculo, encontram-se diversas referências e menções à mitologia grega, eventos e personagens importantes, sob a roupagem estética e conceitual da cultura francesa no final do século XIX. É considerado um baralho complexo e intelectualmente elaborado, de difícil aprendizado e pouco intuitivo, pois cada lâmina combina em si um número significativo de elementos distintos - letras, constelações, signos geomânticos, cenários mitológicos, símbolos alquímicos, cartas do baralho tradicional, cenas menores e flores. Além disso, o Grand Jeu não segue uma estrutura ou sistema identificável, algumas cartas pertencem a mais de uma categoria. Ele também foi publicado com o subtítulo de "Grande Jogo da Sociedade - Cartas Astro-Mito-Herméticas", termo que designa muito bem suas principais características.
   As cartas são subdivididas em 5 grupos, de acordo com o mito ou tema retratado no cenário central: Pomo de Ouro, Guerra de Tróia, Ciência Hermética, O Imprevisto (literalmente, O Não-visto), e Ordem do Tempo, que representa o zodíaco. Os grupos independem do naipe, e definem os principais temas tratados por essas cartas, que se repetem em alguns casos específicos. Existe uma única versão do Grand Jeu desde sua publicação original, ainda que tenha sido relançado em outras edições pela editora B.P. Grimaud. É digno de nota, entretanto, que há uma versão mais simples publicada em meados de 1855 por Johann Augustus Reich na Alemanha, cuja organização dos elementos nas cartas é diferente e não apresenta as constelações - vide o item 1896,0501.470 no Museu Britânico. Originalmente, o Grand Jeu era comercializado com uma coleção de 5 livros, que exploravam os temas presentes no oráculo, com alguns de seus significados, exemplos de jogos, orientações sobre as técnicas nas quais o baralho se baseia, e algumas a mais - como geomancia, astrologia, numerologia cabalística, quiromancia e fisiognomia.
Uma das poucas cartas com
referência egípcia. Isis está
retratada encontrando Osíris.
   As cartas do Grand Jeu são compostas de cinco simbolismos: uma cena central (grande assunto), duas cenas menores no canto inferior esquerdo e direito, flores abaixo ao centro; acima, uma carta do baralho tradicional acima à esquerda, uma constelação acima ao centro, e determinadas lâminas apresentam também uma letra e/ou um símbolo geomântico acima à esquerda. Cada elemento presente nas cartas possui significados específicos, que representam diferentes aspectos de um conceito oracular amplo, tornando-o um baralho complexo e multifacetado, com dinâmicas únicas para tiradas e subsequente leitura das cartas.
   Assim como ocorre com o Petit Lenormand/Baralho Cigano, o Grand Jeu recebe o nome de Madame Lenormand, a famosa cartomante francesa que tornou-se um ícone no mundo todo por suas aptidões divinatórias. No caso do Petit Lenormand, o nome da Madame foi atribuído como uma espécie de publicidade posterior, pois a cartomante não teve relação com o desenvolvimento do baralho e nem o utilizava em suas consultas. O Grand Jeu, tendo sido publicado dois anos após o falecimento de Madame Lenormand, também não parece ter sido desenvolvido por ela, apesar de transparecer inspirações nas técnicas pelas quais Lenormand era conhecida, juntamente a outros conhecimentos já citados que eram amplamente praticados por ocultistas e esotéricos na época.
   Nota: Há uma publicação de 1976 da editora Grimaud denominada "The Small Lenormand", em referência ao Petit Lenormand, que serve de estrutura para o baralho com suas 36 cartas. Essa amálgama apresenta as cenas centrais, laterais, e correspondências principais das cartas do Grand Jeu associadas às palavras chaves e títulos das cartas do Petit Lenormand. Evidentemente, é uma tentativa de estabelecer uma ponte entre esses dois baralhos completamente distintos, mas que compartilham em seus títulos a referência à Madame Lenormand, e a editora responsável pela publicação.

Referências

A explorar campos esotéricos inusitados,
   Alannyë Daeris

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Heka (feitiço egípcio) para Desordem e Fragilidade Mental e Física - Papiro Edwin Smith, Spell 5 (verso)

   Traduzi e adaptei o feitiço egípcio a seguir, encontrado no Papiro Edwin Smith, o mais antigo dos papiros médicos, referente ao Spell 5. Ele se destina a impedir e eliminar doenças e desequilíbrios causados por influência espiritual de entidades e espíritos malignos - sendo um dos poucos exemplos de abordagem mágico-religiosa nesse papiro medicinal, e por estar localizado no verso, é possível que esse e outros 7 feitiços sejam uma adição tardia e não-relacionada ao texto médico original. Para mais informações sobre muuetu e espíritos malignos, leia esse texto. Porém, mesmo que não seja o caso de uma enfermidade ou uma desordem causada por obsessores e espíritos, é possível realizar esse Heka adaptado na intenção de restaurar o equilíbrio da mente e do corpo, e diminuir o impacto de distúrbios emocionais na vida do indivíduo.
   O papiro indica quatro divindades para realização do Heka: Sekhmet, Bast, Wesir (Osíris) e Nehebkau. O texto sugere que todas estão presentes na prática, mas não vejo impedimentos ou contraindicações caso deseje invocar somente um, dois ou três dos Netjeru citados para abençoar o feitiço, por razões de afinidade ou preferência.
   Em minha adaptação, estruturei o Heka no formato usual com que compartilho feitiços embasados na Bruxaria moderna, e acresci instruções além das mencionadas no texto original, buscando auxiliar na contextualização dessa magia existente desde meados de 1600 a.E.C - que comporta as dinastias 16 e 17 do Segundo Período Intermediário do Egito. É indicado no papiro que o conteúdo é uma cópia de um encantamento anterior, algo comum em textos mágicos e medicinais durante toda a história do Egito, e determinados elementos linguísticos reforçam a origem mais antiga deste Heka.
   Como é costumeiro em encantamentos egípcios, há alusões textuais a conceitos mitológicos por vezes obscuros, incluindo associações de Netjeru (divindades) com circunstâncias negativas que o praticante de magia deseja evitar, vide relação estabelecida entre Sekhmet e o adoecimento do corpo e da mente, e entre Osíris e as vísceras que eram retiradas na ocasião do embalsamento dos falecidos.

Instruções para o Heka

Você precisará de:
• Um retângulo longo de tecido branco ou bege, se possível, feito de linho ou algodão. Tamanho sugerido: pelo menos 7cm de largura por 50cm de comprimento.
• A tinta sugerida no feitiço original é resina de mirra, mas você pode usar nanquim, canetinha, ou caneta permanente "sharpie". Preferencialmente, de cor preta.

   Prepare o ambiente e a si mesmo realizando uma prática de purificação de sua preferência, respire fundo e concentre-se. Convide as divindades que participarão desse Heka: Sekhmet, Bast, Osíris (Wesir), e/ou Nehebkau. Segure o tecido em mãos, faça o henu de oferenda estendendo ambas as mãos à sua frente com as palmas voltadas para cima - leia mais sobre os gestos ritualísticos keméticos. Em seguida, escreva os nomes das divindades em hieróglifos em um dos lados do tecido; ou, se preferir explorar mais seus dotes artísticos, é possível desenhar os Deuses à mão livre. Para referência, demonstro a seguir os nomes hieroglíficos de todos os quatro Netjeru citados, somente uma dentre as muitas possíveis versões da escrita de cada Nome.


   Do outro lado do tecido, o encantamento a ser escrito:

"A proteção da vida de Neith está ao meu redor, dela que está acima daquele que escapou da semeadora. Bast é repelida da casa do homem."

   Assim que terminar de escrever, fale o seguinte encantamento enquanto segura a tira de tecido inscrita de ambos os lados:

"Histeria, histeria, você não possuirá minha mente ou meu coração para Sekhmet. Você não tomará meu fígado para Osiris, e as coisas ocultas em Buto não entrarão em meu trono na manhã da contagem do Olho de Hórus. Qualquer espírito masculino ou feminino, qualquer falecido ou falecida (muuet e muutet), sejam na forma de animais, sejam de quem os crocodilos se apoderaram ou quem a serpente mordeu, aqueles condenados à faca, ou que morreram em sua cama, e as entidades malignas da noite, sejam obliterados por esse Heka. Afastem-se permanentemente, nunca retornem, em nome de (Netjeru escolhido). Hórus, que está são apesar de Sekhmet, vigia ao redor da minha carne por toda a vida."

   Coloque o tecido ao redor de seu pescoço, podendo amarrá-lo para que permaneça no local, ou utilizar um broche ou alfinete para essa finalidade. Use com intenção quando sentir a necessidade de espairecer a mente, reforçar sua vitalidade, acalmar os ânimos, encontrar equilíbrio e harmonia a nível físico, mental ou emocional. Esse amuleto tem validade indeterminada, podendo ser mantido em seu altar ou guardado para reutilizações futuras. Recomendo repetir o encantamento verbal nas ocasiões em que emprega o amuleto de tecido novamente.

Fontes
- Wilson, J. A. (1952). A note on the Edwin Smith surgical papyrus. Journal of Near Eastern Studies, 11(1), 76-80.
- Ancient Egyptian Medical Texts, World History Encyclopedia. Acesso em 02/03/2024.

A atar as forças da desordem,
   Alannyë Daeris