quinta-feira, 13 de abril de 2017

Necromancia - Lidando com o Outro Lado do Véu

Still Life with a Skull and a Writing Quill - Pieter Claesz, 1628. Óleo em madeira.

   Necromancia é como se denomina toda e qualquer prática mágica relacionada a aqueles que já se foram - espíritos, fantasmas, ancestrais, há várias denominações. Apesar de estar envolvida em desinformação, clichês incorretos e mistérios, especialmente sobre ser uma prática nefasta e maliciosa, a Necromancia não deve ser considerada "magia negra" - até porque esse conceito está errado. Ela é frequentemente usada para guiar quem precisa de conselhos, descobrir segredos de família ou informações sobre ancestralidade e para divinação, e mesmo quando utilizada para feitiços ou outras finalidades mágicas, não são todos os espíritos que vão ter interesse em ajudar uma pessoa com más intenções.
     A magia com os mortos não é recomendada para iniciantes. Há rituais e meditações que alguns novatos são capazes de realizar, além das oferendas e homenagens que não possuem restrições de experiência, mas não são todas as práticas mágicas necromânticas que podem ser realizadas por aqueles com pouca experiência. Além disso, é preciso que o praticante que saiba se proteger e realizar um banimento corretamente para evitar que os espíritos ou ancestrais envolvidos fiquem presos ao lugar e/ou ao próprio praticante. Por esse motivo, muitos preferem realizar rituais necromânticos em encruzilhadas, bosques afastados, cemitérios ou outras localidades que não sejam a própria casa - embora isso não resolva o problema por completo.
   Lidar com a morte e utilizá-la para fins mágicos não é exclusividade da necromancia. Oferendas de alimentos com carne, ervas utilizadas nos incensos e rituais, magia com sangue ou ossos e até mesmo o culto de algumas divindades - que podem ser ancestrais que já caminharam sobre a Terra - são exemplos de como a morte está presente na Bruxaria, mesmo quando não se está praticando necromancia de fato.
   Muitos tabus envolvem essas práticas mágicas, e aqueles que possuem interesse na necromancia devem, antes de qualquer outra coisa, encarar a morte com naturalidade e compreender que ela é uma transição necessária no ciclo da natureza, tanto quanto o nascimento. O medo da morte, ou sentimentos negativos em relação a ela tornarão suas tentativas de praticar necromancia frustradas.
   Mantenha em mente também que essa passagem pode ser traumática e dolorosa tanto para quem deixa o mundo material quanto para quem fica, portanto nem todos os espíritos a serem contatados estarão em paz e conscientes de seu estado. O papel de um necromante também envolve auxiliar espíritos perdidos e libertá-los de lugares ou pessoas aos quais estão presos por conflitos pendentes.
   Embora seja recomendável praticá-la com familiares falecidos, necromancia não precisa ser feita somente com aqueles que você conhecia e já partiram dessa para melhor. Qualquer espírito pode ser contatado, mas não há como saber de antemão se ele será amigável ou hostil em relação ao necromante; a forma como essa pessoa morreu - se foi de forma tranquila ou violenta -, sua personalidade, disposição e interesse em ajudar são alguns dos fatores que influenciam nesse ponto.
   A conexão com os finados pode ser feita através de meditações e sonhos, mas nem sempre vontade sozinha é o suficiente para isso; portanto, é comum que necromantes busquem links mágicos que fortaleçam seu vínculo ao falecido. Exemplos são a casa em que a pessoa morava, objetos e roupas pertencentes a ela, o lugar onde morreu, sua cova ou a terra sobre ela, e seus restos mortais.
   Atualmente, a necromancia é feita quase que exclusivamente através dos espíritos que partiram para o submundo. No entanto, é possível e recorrente em registros medievais sobre Bruxaria as práticas realizadas com corpos e restos mortais. Divinação através de ossos, cura através de rituais com membros e maldições de todo o tipo são citadas dentre as utilizações de cadáveres. Existem inúmeras outras aplicações, mas ter acesso ao material necessário para aprendizado e prática é algo extremamente difícil - já que revirar túmulos além de anti-ético é crime.
   É normal entre pagãos e neo-pagãos que suas práticas mágicas relacionadas à morte sejam unidas ao culto de divindades do submundo, pois são os guardiões dos mortos e conhecedores dos mistérios da pós-vida. Essas divindades podem agir como intermediários durante interações e atividades mágicas, como também guiá-lo durante as mesmas. Porém, como todo culto prestado aos Deuses, deve ser feito somente por afinidade e vontade genuína; interagir com uma divindade somente por interesse nos aspectos cujos quais ela domina é um ato muitas vezes mal visto e até mesmo passível de consequências dependendo da entidade em questão.
   O festival pagão do Samhain possui a tradição de prestar homenagem aos ancestrais e pessoas queridas que já faleceram, sendo um ótimo momento para aplicar seus estudos sobre essa arte. O véu entre os mundos durante a noite desse sabbath está mais fino, facilitando a interação entre vivos e mortos.
   Em várias culturas existem entidades conhecidas como psicopompos - que podem ou não ser divindades -, responsáveis por conduzir os mortos até o submundo. Essa simbologia se estende à outras transições além daquela feita da vida para a morte, mas a palavra em seu sentido original se refere a aquelas entidades que acompanham a passagem para o submundo. Alguns exemplos de psicopompos são Exu, Papa Ghede, Anúbis e as Valquírias.
   No Xamanismo, a necromancia é uma arte bastante desenvolvida e comum a todos os praticantes, especialmente pelo aspecto de ancestralidade que é bastante forte nesta cultura. Transes ritualísticos induzidos por música, dança e substâncias enteógenas para o contato com os espíritos são essenciais dentre os xamãs, e podem ser exercidos de maneira similar por outros praticantes de necromancia.

   Dicas para quem deseja aprender necromancia:


 Os melhores espíritos são aqueles com quem você tinha uma ligação sentimental boa, como parentes queridos. Se antes do falecimento da pessoa em questão vocês estavam em situação de hostilidade, evite contatá-la até possuir maior experiência no assunto, e apenas procure-a quando estiver pronto para solucionar os conflitos pendentes.

 Antes de partir para meditações e evocações, pratique através de oráculos como o tabuleiro ouija ou o pêndulo - optando, é claro, por um oráculo com o qual você já tem experiência. Qualquer oráculo serve, embora o pêndulo e o tabuleiro ouija sejam tradicionais na necromancia e bastante práticos para responder perguntas.

 A personalidade não muda após a morte. Se uma pessoa era egoísta em vida, continuará sendo egoísta após ela, e o contrário é verdadeiro. O mesmo serve para os gostos; oferendas podem ser facilmente encontradas quando se conhece as coisas das quais a pessoa gostava em vida.

 Sempre purifique o lugar antes e depois de realizar sua atividade mágica necromântica. Não importa se foi somente uma meditação rápida; a purificação pós-necromancia é imprescindível.

 Purifique também a você mesmo após o término de suas atividades. Um banho de sal grosso ou de água consagrada costumam servir, mas existem várias outras maneiras - práticas complexas requerem purificações mais fortes, enquanto práticas simples podem ser seguidas de purificações simples.

 Círculos mágicos são bastante úteis, especialmente aqueles feitos de sal ou ervas e flores relacionadas à purificação e proteção. Se você não gosta de círculos protetores, não é obrigado a empregá-los, mas precisará de banimentos mais poderosos após realizar suas atividades.

 Espíritos requerem respeito da mesma maneira que qualquer outra entidade. Não espere que terá algo de graça sem haver uma troca; portanto, esteja preparado para negociar uma oferenda equivalente ao que você deseja, que pode ser material ou em forma de atitudes ou favores.

Feitiço de Comunicação com os Ancestrais


   Esse feitiço pode ser realizado por iniciantes em necromancia, desde que tenham experiência em purificações e meditações. É preferível que você faça com espíritos ou ancestrais com os quais tem alguma conexão, especialmente familiares. Escolha uma pergunta que tenha a ver com a pessoa falecida, ou um conselho que você queira para sua vida. Deve ser feito à noite, antes de ir dormir.
   Você precisará de um pertence pessoal e/ou imagem da pessoa e um incenso, além de uma fruta ou alimento que essa pessoa gostava. Se você quiser ofertar outra coisa que sabe que ela gostaria de ganhar, substitua a fruta.
   Após purificar o local, trace o círculo mágico ao seu redor e acenda o incenso, convidando seu ancestral para fazer parte desse ritual. Mentalize suas feições, observe bem seu retrato ou o objeto dele. Se for alguém próximo a você, converse como conversava normalmente. Se você não souber o que falar, diga algo como:
"[Nome do ancestral], eu lhe convido em busca de conhecimento. Lhe oferto esse incenso e esse alimento, para honrá-lo e pedi-lo que me diga [o que você quer saber]."
   Observe o incenso, e mantenha seu foco na fumaça. Permita que sua mente se esvazie, e medite com o ancestral, enquanto continua prestando atenção no incenso queimando. É possível que ele não interaja tanto com você, e somente responda a pergunta. Após receber a resposta, agradeça ao ancestral e oferte a fruta ou o presente que você separou para dar a ele. Deixe em seu altar ou em uma janela, e no dia seguinte deposite na natureza. Caso o incenso não tenha terminado de queimar, você pode deixá-lo queimando enquanto termina o ritual e purifica o ambiente e a si mesmo.
   Se você não obter uma resposta até o incenso estar chegando ao fim, sopre a fumaça enquanto mentaliza sua pergunta sendo enviada até o ancestral, e encerre como indicado acima. Então, durma com a imagem ou o objeto próximos de sua cama, ou junto de você. É provável que você sonhará com a resposta, e se isso não acontecer, medite pela manhã com o ancestral - ele pode querer negociar algo em troca da resposta, ou não querer respondê-lo por algum motivo.

A honrar o outro lado do véu,
    Alannyë Daeris.