Ele é popularmente traduzido como "jogo da travessia da alma" - referindo-se ao Ba, a essência vital que é representada por um pássaro com cabeça humana; saiba mais sobre os conceitos de corpo e alma no Kemetismo nesse texto. O propósito do Senet é efetuar com êxito a perigosa jornada pelo Duat (o submundo egípcio), alcançando assim os Salões das Duas Maa'ti, onde ocorre o julgamento da alma e a pesagem do coração - uma etapa necessária para ser agraciado com o renascimento e uma subsequente vida eterna nos Campos de Juncos. Tal associação simbólica com a travessia do espírito no além parece ocorrer em um momento posterior, após o jogo ter sido criado e difundido na civilização egípcia como um passatempo.
O Senet é composto de 10 ou mais peças, dispostas em um tabuleiro retangular com 30 divisões quadriculadas, num formato de 3 colunas, cada uma contendo 10 casas. O tabuleiro costuma indicar a direção de início do jogo, geralmente no topo superior esquerdo, e era comum que as casas fossem decoradas com padrões ou desenhos simbólicos. As decorações das últimas 5 casas do tabuleiro eram distintas, e faziam menções à água ou conceitos benéficos; entretanto, a posição dessas casas e os hieróglifos nelas contidos variam de tabuleiro para tabuleiro. Junto aos tabuleiros de Senet, é comum a presença de "casting sticks", palitos lançados ao acaso, ou ossos (astragalos), que serviam como dados e eram usados para determinar a quantidade de casas percorrida pelos peões.
Diversos tipos de tabuleiros têm sido encontrados por arqueólogos, alguns altamente sofisticados e decorados, com imagens de Deuses e cenas mitológicas nas laterais da caixa, gavetas para armazenar as peças. Os materiais usados para a confecção de tabuleiros variam entre pedras preciosas (como lapis lazúli) e outros tipos de pedras, faiança, marfim, madeira, ostraca ou pratos de terracota. Também há evidências de tabuleiros de Senet mais simples, sem inscrições, ou riscados no chão e em edifícios, possivelmente para partidas improvisadas. Nem todos os tabuleiros dos quais há registro acompanhavam peças como peões, palitos ou dados.
Até o presente momento, não foi possível reconstruir de forma fidedigna o conjunto original de regras do jogo, pois não existem registros escritos ou instruções remanescentes sobre como era jogado, somente representações visuais de partidas, que trazem informações limitadas sobre a estrutura e funcionamento do jogo em si. Alguns parâmetros gerais sobre as partidas são mais aceitos; considera-se que cada um dos dois jogadores recebe uma quantia igual de peões no início da partida, e que o objetivo é alcançar o final do tabuleiro, a última casa. As peças provavelmente se movem em padrão de S, da esquerda para a direita e vice-versa. Algumas casas parecem causar efeito positivo ou negativo sobre os peões.
O Senet é citado em textos, como no Capítulo 17 do Book of the Dead (Livro dos Mortos), e em outros papiros, que relatam muito pouco sobre a execução de uma partida. Ainda assim, os historiadores Timothy Kendall e R. C. Bell efetuaram reconstruções das regras, estimadas por intermédio de fragmentos de informações em textos egípcios, que dificilmente representam a jogabilidade original, mas sugerem possibilidades interessantes para uma adaptação moderna e "jogável". Você pode acessar nesse link, em inglês. Um outro material escrito, disponibilizado gratuitamente pela Universidade de Chicago, oferece um guia completo para fazer o seu e regras para jogar - leia nesse link.
Os egípcios acreditavam que a travessia pelo Duat era repleta de desafios e povoada por entidades nefastas, que poderiam impedir a chegada do falecido ao local do julgamento, ou roubar partes de seu corpo e alma, condenando o indivíduo à danação - literalmente, uma questão de vida ou morte eterna. Em murais e afrescos em tumbas egípcias, existem cenas de partidas de Senet sendo jogadas por falecidos no além e seus familiares vivos, atestando que a temática do jogo por simples correlação simpática era suficiente para estabelecer uma ponte entre esse mundo e o próximo, conectando os vivos e os mortos por representar a transição entre os planos, trazendo os ancestrais para perto com auxílio do lúdico.
Sendo assim, o Senet é um artefato que perpassa o secular para adentrar e se consolidar no sagrado, representando a importância do aspecto mágico-religioso em uma civilização que abraça com estima seus mitos, símbolos, invenções, brincadeiras, e percebe a imanência do divino em todas as camadas da realidade.
Referências
• The Egyptian Game of Senet and the Migration of the Soul - Peter A. Piccione
• Passing from the Middle to the New Kingdom: A Senet Board in the Rosicrucian Egyptian Museum - Walter Crist
A lançar dados com Shai,
Alannyë Daeris
I appreciate the effort you put into making your content relatable to diverse audiences.
ResponderExcluirThank you for your comment! That means a lot to me ♥
Excluir