quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Os Cinco Princípios do Reiki - Gokai

   Mikao Usui é mais lembrado pela criação do sistema de cura Reiki, mas para além da técnica, uma de suas maiores contribuições para a humanidade é a filosofia dos Cinco Princípios, ou Gokai - valores e atitudes que podem ser praticadas e usufruídas por qualquer pessoa para uma vida mais satisfatória, não somente praticantes sintonizados de Reiki.
   A prática do Gokai é o núcleo vital do sistema Usui, essencial para garantir qualidade de vida e harmonia cotidiana. O Gokai visa elevar a consciência de quem se dedica a ele diariamente, tornando a meditação, a oração e a gratidão sempre presentes na vida do indivíduo. Entretanto, é fundamental refletir a respeito dos princípios durante a prática, não apenas repeti-los de forma mecânica e desatenta. Contemplar a aplicação no cotidiano, relacionar com momentos vividos, trazer para a realidade esses valiosos conselhos para que norteiem a vida.
   Segundo os ensinamentos do Mestre Usui:

"A arte secreta para atingir a felicidade (Shofuku no hiho)
A cura natural para todas as doenças (Manbyo no rei yaku)
Só por hoje (Kyo dake wa)
Não se zangue, (Ikaru na)
Não se preocupe, (Shinpai suna)
Seja grato, (Kansha shite)
Trabalhe com dedicação, (Gyo o hage ne)
Seja gentil com as pessoas. (Hito ni shinsetsu ni)

De manhã e à noite, sente-se com as mãos em oração (posição Gassho),
Tenha isso em mente e diga-o em voz alta.
Para a melhoria da mente e do corpo."

   Na modernidade, muitos praticantes de Reiki Tradicional Usui traduzem e simplificam o Gokai da seguinte maneira, mantendo a essência principal dos ensinamentos do Mestre:

"Só por hoje, sou calmo,
Não me preocupo, sou grato,
Trabalho honestamente,
Sou gentil com todos os seres."

   Cada elemento contido nos princípios possui um sentido filosófico profundo e prático, para uma boa qualidade de vida. Vamos entrar em detalhes sobre cada um deles!

0. Só por hoje - Kyo dake wa
A introdução para os cinco princípios do Reiki é uma invocação para trazer nossa atenção e foco ao presente. Antes de colocar qualquer coisa em prática em nossas vidas, devemos estar cientes de que a vida é vivida dia após dia, e cada momento importa. O único tempo em que podemos agir é o presente, e não podemos garantir o amanhã - mas podemos dar nosso melhor e estarmos presentes no agora. Quem vive remoendo o passado ou se preocupando com o futuro não consegue ter uma vida plena e feliz. Essa frase também nos lembra que é impossível ser uma pessoa calma, livre de preocupações e gentil o tempo inteiro, mas que é importante retomar a consciência sobre nossas atitudes sempre que possível, e se comprometer com os princípios um dia de cada vez. Hoje você não conseguiu, e se irritou? Tudo bem! Medite sobre o Gokai e se responsabilize a se manter calmo pelo decorrer do dia. Não deixe para amanhã, que é incerto e pode não ser como o esperado.

1. Não me zango - Ikaru na
Em japonês, o kanji para a palavra raiva é formado pelas palavras "escravo" e "coração", significando que é um sentimento que escraviza nossos sentimentos e nos torna incapazes de dominar nossas emoções, agindo de acordo com impulsos irracionais e impetuosos. A raiva machuca quem a sente, e faz com que o indivíduo machuque as pessoas próximas, que muitas vezes não tem culpa do ocorrido. Repetir esse princípio é uma forma de reforçar para sua mente que ela deve resistir aos acessos de fúria, e que esse sentimento descontrolado só prejudicará seu crescimento e suas relações, resultando em atitudes injustas, nocivas e egoístas. A raiva é nosso poder de conquista deturpado, sem um direcionamento adequado para uma finalidade construtiva, e se zangar pelas coisas que acontecem é um indício de imaturidade e falta de autocontrole.

2. Não me preocupo - Shinpai suna
Esse princípio é similar ao anterior, e devemos proceder de forma similar quanto às preocupações: retomar o domínio sobre nossa mente, e averiguar qual é o medo que se esconde por trás dessa preocupação. Abrir espaço para a ansiedade é um caminho sem volta, que nos prende em uma vida de incerteza. Se algo lhe preocupa, faça o que estiver ao seu alcance para tentar resolver; se não houver o que fazer a respeito, então se preocupar é uma perda de tempo, e ainda terá uma impacto negativo em você.

3. Sou grato - Kansha shite
Todas as situações que a vida nos apresenta vem para nossa evolução e aprendizado. É importante ser grato pelo que temos, pelas pessoas que estão em nossa vida, e pela nossa capacidade pessoal de lidar com as circunstâncias que nos cercam. Se temos um teto, alimento, saúde, afeto e educação, já há muito pelo que agradecer! Através de um posicionamento de gratidão, desenvolvemos a apreciação, aceitação e harmonia - pois deixamos de reclamar, se frustrar com posses ou anseios materiais, ou agir de maneira egoísta.

4. Trabalho com dedicação - Gyo o hage me
Também traduzido como "trabalhe honestamente" ou "cumpra seus deveres", esse princípio se refere a diversos aspectos relativos à responsabilidade e ao comprometimento pessoal. Esse princípio aborda a questão de empenho e dedicação na profissão que se escolhe, tendo uma fonte de sustento que seja digna, respeitosa e, principalmente, feita com esmero. Ou, sobre a boa disposição quanto às suas tarefas (não apenas profissionais!), desempenhar bem as responsabilidades do cotidiano, sem deixar que a preguiça, a procrastinação ou a desatenção impeçam você de comparecer em suas atividades. Desde o asseio do corpo, até o cuidado com a casa, dedique-se por inteiro ao que precisa fazer, esteja presente no momento - como incita a introdução para os princípios, "Só por hoje".

5. Sou gentil com todos os seres - Hito ni shinsetsu ni
A gentileza gera um ambiente saudável e harmônico, e deve ser aliada à compaixão, a bondade, e a compreensão para que possa se manifestar com plenitude. Perceba como esse é o último princípio, e depende de todos os outros - estar calmo, despreocupado, grato e comprometido, para que se possa ser genuinamente gentil quanto aos próximos. E consigo mesmo também, afinal, é imprescindível estender para si o carinho e o cuidado que oferecemos para aqueles que amamos, para que possamos estar em plenas capacidades mentais, emocionais e físicas de agir com gentileza com o universo ao nosso redor.

A praticar os princípios,
   Alannyë Daeris.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Resenha: A Magia no Mundo Greco-Romano, de Henri Hubert

   Sinopse: O sétimo volume da coleção Biblioteca Durkheimiana traz o estudo monográfico de Henri Hubert sobre a magia na Antiguidade clássica, em edição bilíngue francês/português acompanhada de estudos de especialistas e anexos que ampliam o alcance da obra. A Magia no Mundo Greco-romano foi publicado originalmente como verbete de um dicionário em 1902, e nele Hubert procura entender o que é a magia e como se manifestou na Antiguidade clássica, a partir de ampla documentação e da análise de fontes não textuais, como as representações picturais, os amuletos e as esculturas as mais variadas. O verbete tornou-se referência obrigatória sobre o tema no âmbito francófono logo após sua publicação, observa o organizador e tradutor da obra Rafael Faraco Benthien. A obra compõe um retrato preciso acerca de tudo o que se sabia sobre a documentação mágica antiga no início do século XX.

Ficha Técnica


   Autor: Henri Hubert
   Ano: 2021 (publicado originalmente em 1902)
   Editora: EdUSP
   Páginas: 280
   
   Essa obra, que originalmente se destinava a compor o verbete de "Magia" em um dicionário sobre o mundo Greco-Romano, é um verdadeiro compilado de referências históricas, e conta com uma extensa bibliografia consultada, o que denota o amplo conhecimento do autor acerca do tema - muitas dessas referências remontam ao período da Antiguidade ou mais tardio, e raramente dispõem de uma tradução para o inglês (grande parte dos títulos citados nas notas de rodapé estão em latim, alemão ou francês).
   A linguagem pode se mostrar densa e cansativa em certos momentos, e a quantidade massiva de notas com as fontes bibliográficas torna a leitura um processo significativamente mais complexo caso você queira conferir quais são as obras referidas, ou se há algum raro comentário. Essa é uma versão bilíngue, com as páginas à esquerda no idioma francês, e as páginas à direita traduzidas para o português, mas meu progresso ainda assim foi vagaroso e desafiador.
   Há muitas informações interessantes, e o respaldo arqueológico e histórico de Henri Hubert - apesar de tornar a leitura laboriosa - confere convicção e factualidade ao texto, deixando pouco espaço para dúvidas quanto à veracidade do que está sendo tratado. É um tratado descritivo sobre a magia com fundamentos sólidos, que mesmo dispondo de poucas páginas considerando a extensão do tema, consegue explicar suas diversas nuances, a relação com a religião, e o que a caracteriza.
   A percepção do autor sobre alguns aspectos da magia e religiosidade pode ser percebida em determinadas passagens, e reflete o contexto histórico e o pensamento mais conservador da época em que estava inserido - uma compreensão acerca disso deve impedir pequenas frustrações ou incômodos em leitores que, assim como eu, tenham uma relação pessoal com os temas abordados. Mas num geral, o extenso embasamento bibliográfico deixa pouco espaço para opiniões pessoais ou visões tendenciosas, sendo um verbete verídico e bem elaborado, ainda que relativamente arcaico, a respeito da magia no mundo Greco-Romano.

A adicionar pilhas de referências às futuras leituras,
   Alannyë Daeris.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Método Oracular - Jogo da Chave Mestra

   A leitura que trago hoje foi parcialmente inspirada em outra tirada que aprendi há um tempo e não me recordo a autoria. Mantive a estrutura e algumas posições, mas outras alterei por completo. Ela funciona como uma leitura geral, adequada para obter orientações práticas para a vida e previsões. O nome foi dado pois é uma leitura perfeita para abrir um atendimento e revelar os pontos principais da vida do consulente, sem que seja necessário dialogar muito antes.
   Esse método é ideal para ser usado com a Vera Sibilla, mas também apresenta ótimos resultados com o Petit Lenormand e o Tarot. Outros oráculos também podem ser usados, mas num geral cartas temáticas ou muito simbólicas não respondem tão bem a essa estrutura específica.
   Para aplicar a leitura, basta dispor todas as cartas em uma fileira de 7x3, no sentido de cima para baixo, como representado na imagem que ilustra o post. Devido à quantidade de lâminas utilizadas, diversas técnicas de leitura (em especial as da Mesa Real do Petit Lenormand) podem ser utilizadas nesse jogo, após uma maior familiaridade do oraculista com ele.

O Método


1, 2 e 3 - Indivíduo. A personalidade do consulente, sua atual situação mental e emocional, e informações que o definem no momento.

4, 5 e 6 - Cotidiano. A vida doméstica e no lar, rotina, preocupações do dia a dia.

7, 8 e 9 - Anseios. As ambições, planos, vontades, sonhos e intenções de futuro.

10, 11 e 12 - Amor. Como está a relação amorosa, o amor na vida do consulente.

13, 14 e 15 - Profissional. Como estão o trabalho e as finanças.

16, 17  e 18 - Futuro imediato. Acontecimentos próximos, para até duas semanas.

19, 20 e 21 - Futuro distante. Influências a longo prazo, para mais de 30 dias.

A destrancar mistérios,
   Alannyë Daeris.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Como Iniciar no Kemetismo

  As perguntas que mais recebo nas mídias giram em torno do Kemetismo e o culto aos Deuses Egípcios: "Como começar? Por onde estudar e aprender mais? Tenho medo de ofender ou não ser 'aceito' pelos Deuses, como saber se estou no caminho certo?" Muitos se interessam pela religiosidade egípcia, mas poucos encontram direcionamento suficiente para dar os primeiros passos.
   Todas essas dúvidas já foram minhas, e entendo a enorme frustração quando não encontramos as respostas em lugar algum - ou quando não sabemos se há coerência naquilo que falam por aí. E espero não amolecer as esperanças de ninguém, mas a verdade é que não existe uma única fonte confiável que responda todas essas dúvidas. Quando elas existem, raramente estão disponíveis em português, e mesmo em fontes estrangeiras, requerem paciência, persistência e foco até que se tornem conhecimentos práticos.
   Portanto, esse texto visa introduzir os conceitos básicos de um culto Kemético, para quem não tem noção alguma, mas deseja muito se aproximar dos Deuses Egípcios, e começar a estruturar seu culto pessoal. Sob a minha perspectiva particular, existem três pilares que sustentam o Kemetismo, e são eles:

1. Conhecer
• Mitos e lendas egípcias, para compreender quem são os Netjeru e como se manifestam.
• Epítetos, sincretismos, associações entre Divindades.
• Conceitos chaves da espiritualidade kemética, como Ma'at, isfet, henu, execração, Heka, Akh, Duat, Netjer.
• Cultura, história e política egípcia. Sem entendimento do povo e de como se comportavam, não há um entendimento real da religião.
• Linguagem egípcia, termos frequentemente utilizados e expressões, hieróglifos.
• Calendário egípcio e as festividades celebradas.
• Ortodoxia Kemética (originalmente Kemetic Ortodoxy), uma instituição religiosa estrangeira que visa resgatar o culto aos Netjeru de forma tão tradicional quanto possível na modernidade. Ótimo ponto de partida para qualquer pessoa interessada no Kemetismo.

   Você não precisa ser um expert em Egito para começar a cultuar os Netjeru, mas se não souber absolutamente nada sobre eles, fica difícil construir uma relação, não é? Portanto, o estudo é o primeiro passo, mas precisa andar lado a lado com as práticas de devoção. Pesquise, faça anotações e crie o hábito de registrar aquilo que descobre sobre o Kemetismo e o Egito, para ter acesso fácil sempre que for necessário consultar uma informação.
   As fontes que recomendo são artigos e livros acadêmicos sobre Egiptologia, Arqueologia e História, ou cursos/workshops ministrados por professores das áreas citadas. Use ferramentas como o Google Scholar e o SciHub para ter acesso a esses conteúdos, e paciência para fazer avanços por meio da pesquisa. O domínio da língua inglesa é essencial, pois a grande maioria das informações não estão disponíveis em português.
   Alguns egiptólogos são referência em publicações sobre o Kemet, e dentre eles podemos citar Wallis E. A. Budge, Geraldine Pinch, Raymond O. Faulkner e Richard H. Wilkinson. Não recomendo leituras que não tenham embasamento histórico e arqueológico, num geral. Mas mesmo quando tratamos de egiptólogos, devemos manter uma análise crítica em relação às informações apresentadas, pois há muitas obras obsoletas (como é o caso de livros mais antigos do Budge), mas que ainda servem como um ponto de partida para a compreensão do tema.

2. Interagir
• Orações.
• Meditações.
• Diálogos cotidianos com os Deuses.
• Conversar com outros keméticos para trocar experiências, dicas e recomendações.

   Tão importante quanto conhecer quem são os Netjeru, é buscar uma conexão com eles, de forma espontânea e sincera. Qualquer atividade serve para lhe aproximar dos Deuses, desde que feita com intenção e foco. As orações, meditações e afins podem ser elaboradas por você, ou adaptadas a partir de outras já existentes, encontradas na internet e em livros. O Kemetismo não é uma religião sólida e distante, mas um caminho vivo, que pode e deve ser incluído no seu dia a dia, pois os Deuses estão em tudo, sempre.
   Dessa forma, ter o hábito de interagir com Eles é essencial, mesmo que seja através de práticas simples e cotidianas, como ofertar um café pela manhã enquanto faz uma oração. Diariamente, se possível, tente realizar atividades em honra e/ou na presença dos Deuses que você sente afinidade, convidando-os em mente e espírito para que se façam presentes. Você pode conversar sempre que desejar com Eles, abra seu coração sem medo de julgamentos ou de rejeição. Com o tempo, conseguirá perceber os sinais e as respostas para suas conversas (que raramente são audíveis e explícitas como gostaríamos!).

3. Louvar
• Estabelecer um altar.
• Oferendas.
• Rituais.
• Celebração de festivais e datas comemorativas.

   Ainda que a interação possa se bastar no segundo pilar para uma parcela dos devotos, o culto devocional como era praticado pelos egípcios exige alguns passos a mais para sua realização - sendo elas a criação de um altar pessoal ou espaço sagrado para as oferendas e práticas, e ocasionais celebrações de festivais ou rituais mágicos.
   O estabelecimento de um altar é simples e não esconde muitos mistérios, podendo ser dentro de um armário, sobre uma cômoda, numa mesinha de canto, ou em um criado mudo. O importante é que seja em um local tranquilo onde você possa se sentir a vontade para seus momentos de conexão. Oferendas podem ser tão singelas quanto um copo de água gelada, pão ou alguns biscoitos, uma dança intuitiva, uma poesia ou desenho.
   Não há necessidade de celebrar todos os festivais e aniversários dos Deuses, mas é interessante observá-los sempre que possível, para reforçar seus laços e conexão. Assim como as oferendas, as celebrações não precisam ser complexas e elaboradas, basta que sejam feitas com sinceridade. Rituais são opcionais, e devem ser conduzidos apenas quando já houver certa familiaridade com o culto kemético e os Netjeru, portanto não os recomendo para quem ainda estiver "engatinhando".

   Para complementar as instruções, traduzo uma inscrição no Templo de Heru em Edfu (e encontrada no livro Eternal Egypt de Richard J. Reidy), que orienta os devotos dos Netjeru a serviço no templo:

"Ó profetas, sacerdotes wab sêniores, chefes dos mistérios, purificadores do Deus, todos que entram nos Deuses... Não iniciem erroneamente; não entrem quando impuros; não pronunciem falsidades em sua casa; não cobicem a propriedade (do seu templo); não contem mentiras; não recebam subornos; não discriminem entre um homem pobre e um rico; não adicionem ao peso (da balança) ou à corda de medidas, mas reduzam-nos; não adulterem o medidor de milho; não prejudiquem os requerimentos do Olho de Ra; não revelem o que viram em todos os mistérios dos templos... Cuidado, ademais, para não abrigarem um desejo ingrato no coração, pois vivem na abundância dos Deuses."

A conduzir pelo Caminho,
   Alannyë Daeris.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Oração a Khnum

Seja louvado, Khnum!
Oleiro de perfeitas mãos
Outorgador de habilidades
Patrono do construtor e minerador
Seu é o trabalho hábil do artesão
Sua é a obra que busca perfeição
Seu é o esforço do trabalhador
Perfeito é Khnum, o Provedor!
Aquele que moldou o homem
E os definiu um por um
Senhor do Nilo fértil
Dos argilosos bancos dos rios
Magnífico doador da vida
Louvo sua gloriosa manifestação
Louvo sua cíclica inundação
Ouça meu louvor em oração!

A agradecer por meu Khat e Ka,
   Alannyë Daeris.

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Epítetos de Khnum

   Hoje, apresento uma lista de epítetos keméticos tradicionais conferidos a Khnum, traduzidos e adaptados para nossa língua. Podem ser usados em orações, rituais, meditações e em quaisquer situações que você queira evocar ou invocar esse aspecto de Khnum que está retratado no epíteto escolhido.
   Essa lista não contém todos os títulos associados com esse deus, e há muitos outros que podem ser encontrados, ou desenvolvidos na sua própria interação e culto a Khnum.

Epítetos Tradicionais

• Oleiro Divino
• Senhor das coisas criadas para si mesmo
• Senhor da primeira catarata
• Guardião da Nascente do Nilo
• Guardião de Elephantine
• Pai dos pais
• O Multiforme
• Grande Moldador
• Grande Vitorioso
• Carneiro de Grandiosa Majestade
• Carneiro lutador que persegue seus inimigos
• De chifres afiados
• Senhor de Esna (Neb Ta-Senet)
• Criador da humanidade na roda de oleiro
• Senhor do Outro Mundo
• Senhor da vida
• Senhor dos campos
• Senhor do grito de guerra
• Autoconcebido
• Protetor dos falecidos
• Pai de Serket
• O Ba de Ra
• Líder dos pastores
• Assassino de rebeldes
• Senhor das águas do mundo e do submundo

A louvar o Carneiro, Pai Divino de todos os Pais,
   Alannyë Daeris.

sábado, 27 de novembro de 2021

Feitiço de Nós para Proteção de Negócios, Estabelecimentos e Autônomos

   Há cada vez mais empreendedores autônomos em todos os ramos da prestação de serviços e comércio, inclusive nos meios esotéricos. E todo empreendedor, independentemente se possui um estabelecimento próprio ou se trabalha virtualmente de seu home office, eventualmente irá se deparar com "clientes-problema", que agem de maneira desrespeitosa e podem causar as mais variadas situações desagradáveis.
   Esse feitiço de nós (knot spell, em inglês) se destina a afastar clientes inconvenientes, desrespeitosos e problemáticos, e proteger seu negócio de pessoas que possam prejudicá-lo - seja impedindo que cheguem até você, ou gerando desinteresse e afastamento. Algumas adaptações podem ser feitas, mas sugiro que não se exclua nenhum dos elementos abaixo, apenas adicione (por exemplo: pingentes de cristais, com símbolos protetores, mini ferraduras, outros ramos de ervas, enfim).

Você precisará de:
• Um barbante de aproximadamente 45cm.
• Tinta preta, nanquim ou canetinha preta.
• Um ramo de arruda, para banir clientes inconvenientes ou desrespeitosos.
• Dois pregos de ferro, para proteção.
• Uma chave velha, de uma fechadura que não seja utilizada.
• Azeite de oliva, para proteção, boa sorte e segurança.

🕒 Horas e dias de Saturno ou Marte.
🌖 Lua cheia ou minguante.

   Reúna todos os materiais em seu altar ou em um ambiente onde não será perturbado. Purifique a si mesmo, ao recinto, e aos ingredientes do feitiço, com o método de sua preferência. Comece pintando o barbante de preto, representando a proteção que deseja elaborar para seu empreendimento. Espere secar enquanto se concentra em seu feitiço e intenção.
   Assim que estiver seco, dê um nó na ponta (de aprox. 7cm de distância da extremidade), visualizando o afastamento de clientes inconvenientes e indesejáveis. Dê um nó na outra ponta, visualizando o afastamento de clientes desrespeitosos e causadores de problemas. De um nó no meio, visualizando você realizando seu trabalho satisfeito e com uma "bolha" ou cerca de proteção lhe circundando, representando a defesa que deseja.
   Unte os pregos com o azeite de oliva para conjurá-los para sua proteção, amarre-os ao lado dos nós que acabou de dar nas extremidades do barbante, um prego do lado de cada nó. Unte a chave e amarre-a em uma das pontas, para somente abrir as portas do seu negócio para quem possuir respeito e afinidade com seu trabalho. Segure a arruda entre suas palmas, e peça a ela que afaste e proteja seu negócio de todos que possam causar situações prejudiciais ou desagradáveis. Amarre na outra ponta, e está pronto. Caso queira, você pode finalizar com uma consagração de sua escolha, como esse encantamento verbal sugerido:

"Para proteção da minha empresa,
A arruda e o ferro faz a defesa,
Meu escudo é forte e rigoroso,
Afasta todo cliente desrespeitoso,
No meu negócio eu tenho paz,
Prosperidade e amor, aqui se faz."

  E está feito. Você pode guardar em um local escondido dentro da sua loja, ambiente de trabalho ou home office, como no topo de um móvel alto, dentro de um vaso de plantas, ou transferir para um saquinho que oculte o conteúdo e você possa pendurar ou guardar em uma gaveta, por exemplo. Se você perceber que alguns clientes desrespeitosos estão voltando a surgir, refaça o feitiço, pois ele se expirou.

A desencorajar a manifestação da desordem,
   Alannyë Daeris.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Método Oracular de Análise Trimestral

   A estrutura oracular a seguir foi elaborada para fornecer um panorama geral de um período de três meses no futuro - sem focar em campos específicos, apenas em direcionamentos e perspectivas que ajudem o consulente a se preparar para enfrentar o trimestre com assertividade e confiança.
   Para quem gosta de explorar assuntos como amor, profissional, e afins, é possível adicionar cartas correspondentes a cada campo que deseje analisar nas três primeiras posições, observando como será a evolução dos temas nos três meses seguintes. Adapte o método de acordo com suas necessidades, incluindo ou modificando as posições.
   Você pode usar qualquer oráculo de sua preferência para realizar a leitura, desde que permita a configuração apresentada na imagem e texto. O Tarot com o método europeu, o Petit Lenormand em pares e a Vera Sibilla são aqueles que recomendo, mas escolha o que considerar mais adequado.

O Método


1. Primeiro mês. Como será o início do trimestre?
2. Segundo mês. Como será a metade do trimestre?
3. Terceiro mês. Como será o final do trimestre?
4. Resumo do trimestre. Síntese e energia geral do período.
5. Conquista. O que você deseja alcançar nesses três meses?
6. Oportunidades. Quais oportunidades específicas você busca? Como torná-las mais prováveis?
7. Desafios. Quais desafios lhe preocupam? Como superá-los?
8. Continuidade. O que você quer que continue como está? Como manter assim?
9. Mutabilidade. O que você quer que mude? O que fazer para atingir mudanças desejadas?
10. Visão. O que você almeja em longo prazo?

A ajustar o foco para dias vindouros,
   Alannyë Daeris.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Bênçãos Keméticas - Ankh Udja Seneb e Ankh Was Djed

   Os hieróglifos e a língua do Egito antigo despertam muita curiosidade e interesse por parte de aspirantes ao Kemetismo ou neopagãos com um culto egípcio. Hoje, vamos falar acerca de duas frases keméticas com o propósito de abençoar em saudações, e sua correspondência em hieróglifos.
   Além do possível uso como mantras no cotidiano e em orações, meditações e rituais keméticos, os hieróglifos de ambas as frases (ou "fórmulas") abaixo podem ser desenhados em diversos locais (velas, instrumentos mágicos, objetos decorativos e afins) para abençoá-los, da mesma maneira que sigilos e símbolos sagrados. E também podem ser utilizados em bênçãos e benzimentos de outros indivíduos, como em práticas oraculares ou terapias energéticas.

Ankh, Udja, Seneb (ꜥnḫ wḏꜢ snb) - 𓋹𓍑𓋴

Tradução: "Vida, prosperidade e saúde". Há algumas variações possíveis, que interpretam Udja como "controle" no sentido financeiro ou "força", e Seneb como "vitalidade" ou "ausência de debilidades".

É uma frase kemética que costuma aparecer logo após os nomes de Faraós, ou em referência às casas reais. No período do Império Novo, se tornou uma frase popularmente usada como uma benção de despedida, bastante usada no final de cartas particulares. Ankh se refere à vida e à essência vital que está sempre sendo renovada e que pode ser fornecida à nós pelo Divino, o prazer pela vida, a plenitude da existência e do ato de viver. Udja se refere à estar inteiro, intacto, e além de prosperidade pode denotar o bem-estar e o conforto. E Seneb se refere à estar bem e saudável, livre de fraquezas ou enfermidades, que são os três pilares de uma vida satisfatória.

Ankh, Was, Djed - 𓋹𓌀𓊽

Tradução: "Vida, domínio e estabilidade". Os termos Was e Djed podiam ser trocados de ordem, como indicado na imagem abaixo, sem uma mudança no sentido.

Baixo-relevo da tumba mortuária
de Hatshepsut em Deir-el-Bahn.
Outra frase kemética antigamente usada como uma benção ao Faraó e à sua capacidade de proteger o Kemet e mantê-lo sob controle. Na modernidade, pode ser usada como uma saudação ou despedida, ou como um mantra, nos momentos em que for necessário se centrar, aterrar, edificar, proteger, ou reunir força e firmeza. O Was é o cajado de poder que certos Netjeru carregam para indicar sua dominância, regência e controle, e também são símbolos de sacerdócio, autocontrole e sorte. O Djed (cujo símbolo representa a espinha dorsal de Wesir) está relacionado à resistência, estrutura e sustenção que temos perante a vida, a capacidade de se manter firme e "reto" em nossas atitudes.

Mais informações sobre Ankh, Udja e Seneb.
Informações sobre Ankh, Udja e Seneb no site da Kemetic Ortodoxy.

A abençoar,
   Alannyë Daeris.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Resenha: Magic in Ancient Egypt, de Geraldine Pinch

   Sinopse (na língua original): The Egyptians were famous in the ancient world for their knowledge of magic. Religion, medicine, technology, and what we would call magic coexisted without apparent conflict, and it was not unusual for magical and practical remedies for illness, for example, to be used side by side. Everyone resorted to magic, from the pharaoh guarding his country with elaborate magical rituals to the expectant mother wearing amulets to safeguard her unborn child. In this book, Geraldine Pinch examines the connections between myth and magic and the deities--such as the goddess Isis, and the protective lion-demon Bes--who had special magical importance. She discusses the techniques of magic, its practitioners, and the surviving magical texts, as well as the objects that were used in magic: figurines, statues, amulets, and wands. She devotes a chapter to medicine and magic and one to magic and the dead. Finally, Dr. Pinch shows how elements and influences from Egyptian magic survived in or were taken up by later societies, right down to our own century.

Ficha Técnica

   Autora: Geraldine Pinch
   Ano: 1995
   Editora: Univ of Texas Pr
   Páginas: 191
 
   Uma obra de alto nível para uma genuína compreensão de diversos aspectos relativos à magia e à espiritualidade egípcia, dois temas intimamente relacionados e explorados com maestria, sem uma complexidade linguística desnecessária, apenas objetividade e clareza de ideias, resultando em uma leitura leve e fluida. O respaldo arqueológico é essencial, e reflete aspectos valiosos para a compreensão das práticas mágicas dos antigos egípcios, sejam os ritos efetuados por sacerdotes nos templos, ou de forma particular por magos e/ou pessoas comuns.
   Os textos mágicos e papiros são frequentemente referenciados em todos os capítulos, elucidando de maneira pragmática mas não simplista as fórmulas, encantamentos e visões por trás da magia kemética. Independentemente do nível de conhecimento do leitor sobre o assunto, há muito a se descobrir e explorar a partir desse livro, cuja riqueza de detalhes é impressionante, e se beneficia de uma coleção de imagens de artefatos em museus para auxiliar na visualização dos diversos objetos citados e como eram utilizados.
   A organização temática é bem elaborada e realiza uma progressão de saberes coesa e gradual, fornecendo uma percepção consistente acerca da magia praticada pelos keméticos, sem um misticismo indevido nem um academicismo limitante e preconceituoso. Os detalhes e informações levantadas são incríveis, pois revelam muitas características práticas (e úteis para magistas) de feitiços e encantamentos, amuletos, estátuas, gestos, varinhas e papiros, e faz uma análise precisa e bastante abrangente quanto às técnicas mágicas para diferentes finalidades, e como elas se encaixavam dentro da mentalidade kemética, usando sempre de fontes arqueológicas e históricas.
   O último capítulo aborda o impacto e a influência que a sabedoria oculta egípcia teve na cultura e nas crenças dos povos antigos e medievais, esclarecendo inclusive as infundadas teorias sobre o Tarô ter uma origem egípcia, e a errônea associação dos povos Romi (coloquialmente denominados ciganos) com o Egito. Aqui há algumas referências a sistemas mágico-filosóficos como o Hermetismo, a Cabala e outras tradições do período, mas apenas a um breve título de informação.
   Uma crítica que tenho em comum com outros leitores é que a autora menciona as datas em formatos que são pouco comuns na Egiptologia (para facilitar para o público geral, imagino) e não costuma indicar qual a dinastia ou período específico a que se refere, o que seria substancial para estudiosos e facilitaria na compreensão do contexto histórico. Mas dada a complexidade do tema, que se alterou bastante no decorrer da história egípcia e é complexo de se analisar quando adicionamos o viés temporal, julgo que o trabalho de Geraldine Pinch está impecável.

A ansiar por uma releitura,
   Alannyë Daeris.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Oração a Anubis para Proteção

Ó Guardião! Yinepu, o altivo
Que tem face de cão
Em Tua graça eu vivo
Conceda-me Tua proteção!
Rogo que esteja comigo
Nas horas de tribulação
És meu escudo e abrigo
Agradeço com bebidas e grãos
Afasta meus inimigos
Me defenda da má intenção
Ó protetor perfeito
Senhor da Purificação
Na vigília e em meu leito
É quem me estende a mão
O mais alto na corte dos trinta
Sincero é meu coração.

A empunhar as lâminas do Senhor das Facas,
   Alannyë Daeris.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Epítetos de Taweret

   Hoje, apresento uma lista de epítetos keméticos tradicionais conferidos a Taweret, traduzidos e adaptados para nossa língua. Podem ser usados em orações, rituais, meditações e em quaisquer situações que você queira evocar ou invocar esse aspecto de Taweret que está retratado no epíteto escolhido.
   Essa lista não contém todos os títulos associados com essa deusa, e há muitos outros que podem ser encontrados, ou desenvolvidos na sua própria interação e culto a Taweret.

Epítetos Tradicionais


• Senhora do Céu
• Senhora do Horizonte
• Ela que remove a água
• Senhora da água pura
• Senhora da casa de nascimento
• Guardiã do lar
• A Grandiosa
• Protetora
• Filha de Ra
• A Grande que está nas águas de Nun
• Guardiã dos caminhos para as montanhas do Oeste
• Protetora das mulheres
• Guardiã das mães
• Senhora da fertilidade
• Patrona das doulas e parteiras
• Que carrega o Sa
• Que abençoa os mortos

A louvar e temer Seus dentes de marfim,
   Alannyë Daeris.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Saquinho Mágico para Intuição e Divinação

   Depois de um longo hiato sem publicar feitiços e rituais por aqui, é hora de reavivar a magia com um feitiço de recipiente maravilhoso, inspirado em um que me foi compartilhado por uma consulente há algum tempo. Seus propósitos são aguçar a intuição, a conexão com a espiritualidade e consigo mesmo(a), sonhos, e favorecer práticas divinatórias ou meditativas. Pode ser elaborado em um saquinho de tecido, ou em um recipiente de vidro pequeno - o que for mais acessível e prático para você.
   Se for de sua preferência consagrar o feitiço para uma divindade ou entidade relacionada à magia e intuição, ou que possa favorecer seu intento, sinta-se à vontade.

Você precisará de:
• Anis estrelado.
• Louro.
• Artemísia ou Lavanda.
• Capim-limão.
• Quartzo fumê ou turmalina negra para proteção.
• Papel e caneta.
• Um saquinho (roxo, azul, branco ou prateado) ou um recipiente de vidro.

🕒 Horas e dias de Lua ou Mercúrio.
🌙 Qualquer fase lunar.

   Reúna todos os ingredientes em seu altar ou em um local onde não será perturbado. Purifique a si próprio, ao ambiente e os materiais que serão usados, como o saquinho/pote de vidro, com um método de purificação de sua escolha.
   Escreva seu nome completo e data de nascimento no papel para gerar um link mágico, e no verso do papel você pode desenhar símbolos que favoreçam a intuição (como os símbolos alquímicos da Água, Lua e Mercúrio), um olho, ou sigilos confeccionados para esse propósito. 
   Enquanto mentaliza o aguçamento da sua intuição, vá adicionando o papel, as ervas e o cristal, mantendo a concentração em seu objetivo. Sugiro que crie um encantamento verbal intuitivo na hora de consagrar, para conectar o feitiço à sua capacidade criativa e artística. Em seguida, coloque em uma janela ou local ao ar livre onde possa receber a luz da Lua e se energizar por alguns minutos (mesmo que ela não seja visível no céu).
   E está feito, basta deixar o recipiente em seu quarto ou colocar em seu altar. Como leva um cristal na composição, é indicado abrí-lo para retirar e purificar o quartzo/turmalina a cada um ou dois meses, ocasião na qual também pode trocar as ervas, se sentir necessidade.

A silvar e sibilar rente ao ventre da Terra,
   Alannyë Daeris.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Natron ou Natrão

   O natron (ou natrão em português) é um composto salino que ocorre naturalmente nos leitos secos de rios egípcios. É um ingrediente com inúmeras aplicações práticas - era misturado a óleo para criar sabão e lavar o corpo, ou usado puro para higienizar a boca e os dentes, e para limpar a casa, pois remove todo tipo de graxa e oleosidade.
   Por sua propriedade antisséptica, o natron era aplicado em cortes e ferimentos para assepsia, ou misturado a outras substâncias curativas. É natural que fosse percebido pelos egípcios como um material capaz de promover purificação e limpeza a nível físico e também espiritual, protegendo e harmonizando, e preparando os sacerdotes para seus rituais através de lavagens e bochechos (como citado por Heródoto). Em papiros mágicos, é frequentemente citado em receitas para cosméticos, limpeza e embelezamento.
   Também era usado na secagem e preservação de peixes e carne, como um inseticida rudimentar, para alvejar os tecidos, como componente do pigmento "Egyptian Blue", nas cerâmicas de faience/faiança, para ajudar a soldar metais e pedras preciosas, na confecção de vidro e no curtimento do couro. Era o natron que permitia que os artistas e escribas keméticos pintassem a parte interna e escura das tumbas, pois quando adicionado ao óleo de rícino, cria um combustível para lamparinas que não soltam fumaça e não tingem as paredes com fuligem.
   E além de todas essas utilizações, o natron era um componente imprescindível no processo de mumificação, e os corpos cujos órgãos já haviam sido extraídos eram "soterrados" nesse ingrediente para que absorvesse a toda a água e secasse o corpo - e quando o carbonato de sódio entra em contato com a umidade, ele aumenta o pH, o que cria um ambiente hostil para a maioria das bactérias, evitando a decomposição dos cadáveres. Depois de 40 dias nessa secagem, o natron era retirado do corpo do indivíduo e as cavidades eram preenchidas com ervas, linho, areia e serragem.
   No Kemetismo na modernidade, o natron é empregado principalmente como um elemento de purificação e limpeza ritualística, antes de efetuar práticas ou rituais com os Netjeru - inclusive o Senut, o ritual diário. Se for possível, o praticante deve se banhar e lavar seus orifícios com natron, mas se não houver como, deve pelo menos lavar o rosto, as mãos, boca, ouvido e nariz. Pode ser desconfortável ou estranho lavar somente com água e sal de início, mas acostuma. O natron também pode ser usado para purificar e "acordar" as estátuas dos Deuses, como era feito todas as manhãs pelos sacerdotes egípcios nos rituais dos templos.
  

Receita Simples de Natron


Você precisará de:
• 1 parte de bicarbonato de sódio
• 1 parte de sal kosher, marinho ou sal refinado

   Coloque os dois ingredientes em uma panela junto a um pouquinho de água, o suficiente só para cobrir a mistura. Leve ao fogo médio e mexa. Quando ambos os ingredientes se diluirem e a água tiver evaporado pela metade, desligue e transfira para uma forma de metal ou vidro temperado (o formato não faz diferença, desde que fique uma camada de até 2cm do líquido).
   Você pode deixar secar naturalmente, ou levar ao forno na temperatura de 200° para acelerar a evaporação, mas cuidado para que não queime. Se optar por deixar evaporar sozinho, cubra a forma com um pano para que não caiam resíduos ou insetos, e saiba que pode levar mais de uma semana para que esteja pronto, dependendo da quantidade de água que tiver restado. O resultado final deve ser um sólido, que você quebra para retirar da forma, e pode usar diluindo na água em pedaços pequenos ou moer em um pilão para obter um pó.

A purificar em nome do Senhor do Natron,
   Alannyë Daeris.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Resenha: Tarô 3 - Oráculo e Métodos, de Nei Naiff

   Sinopse
: A trilogia Estudos completos do tarô tem como objetivo ensinar o conhecimento básico das cartas (história, simbologia, sistematização e interpretação), uma inigualável fonte de estudo e de pesquisa para o tarólogo contemporâneo. Este volume é destinado à chave oracular; nele são expostas as metodologias latino-americanas e europeias no trato da taromancia. O leitor entenderá as regras de lançamento para as cartas invertidas, para a combinação aos pares ou, ainda, como ler o antigo método italiano. É explanada a importância da estrutura de uma tiragem (geometria divina) e do posicionamento das cartas, bem como de sua relação com a pergunta “como interpretar?”. Além disso, esclarece quais aspectos são superstições e quais são verdadeiros. Nei Naiff também revela linguagens avançadas sobre dois temas recorrentes em consultas: amor e dinheiro. O livro traz conselhos importantes para uma boa leitura e interpretação correta do oráculo.

Ficha Técnica


   Autor: Nei Naiff
   Ano: 2019 (2° edição)
   Editora: Alfabeto
   Páginas: 384

   Como uma inveterada estudiosa de métodos oraculares, aprecio com gosto o trabalho que Nei Naiff desenvolve no livro de encerramento de sua trilogia, pois o faz de maneira impecável. Inicia a terceira obra falando sobre o oráculo, o tempo e o destino, a intuição, a projeção e a realidade, todos temas centrais quando falamos de uma tirada oracular. Aborda as formas geométricas em sua relação simbólica com a tarologia, para auxiliar o leitor a compreender qual o melhor formato para o tema que busca abordar de acordo com a geometria divina.
   Então segue para outros assuntos de enorme relevância, como direcionamentos para formular as perguntas, escolher a melhor tiragem, interpretar a carta no método, previsões, discorrendo até sobre o embaralhamento e escolha das cartas, para que não restem dúvidas. Os conselhos finais são pontuais e favorecerão enormemente os iniciantes que os levarem para a vida.
   Na parte 2, estão contidas as instruções acerca de diversos métodos para leitura de cartas, desde tiradas consagradas como a Mandala Astrológica, Péladan e Cruz Celta, até os métodos de escolha e disposição de cartas como o Método Europeu, Americano, Italiano e Básico, e a orientações sobre como aplicá-los nas tiradas já citadas.
   É louvável o fato de Nei ser o primeiro autor a reunir e explicar todas as metodologias e técnicas desenvolvidas para lançar as cartas do Tarô, sempre numa linguagem leve e objetiva. Exemplos de tiradas com imagens de diferentes Oráculos são apresentadas em todas as situações, para facilitar o entendimento dos conteúdos ensinados e auxiliar o leitor na compreensão de como as cartas são interpretadas na prática em cada posição ou método particular.
   E nas partes 3 e 4, os temas de amor e dinheiro são abordados a fundo, com descrições de cada um dos 22 arcanos maiores e suas possibilidades de interpretação dentro dessas áreas. É uma leitura pontual e esclarecedora do início ao fim - e pode-se dizer o mesmo da trilogia como um todo, essencial para quem deseja aprender o Tarô, e merecidamente renomada por sua qualidade.

A aplicar novos métodos,
   Alannyë Daeris.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Método Oracular de Sol em Escorpião

   Amanhã em meados das 07:20hrs (23/10), o Sol adentrará nos domínios marciais de Escorpião, então que tal examinar nossas tendências para esse período sob a influência escorpiana? O método a seguir pode ser aplicado a qualquer momento durante ou após a temporada de Sol em Escorpião, que vai até 22/11, mas quanto antes você a fizer, melhor, pois aproveita mais suas orientações.
   Você pode escolher qualquer oráculo de sua preferência que permita a configuração disposta na imagem. O Tarot (especialmente no método europeu) e o Petit Lenormand, com pares de cartas para cada posição, são os mais recomendados para essa tirada, mas não se sinta limitado(a) a eles. Escolha a ferramenta que sua intuição lhe recomendar.

O Método


1. Profundidade. Em que devo me aprofundar nas próximas semanas? Como posso aplicar meus esforços?
2. Estratégia. Qual estratégia posso elaborar para melhorar minha vida? O que exigirá uma atitude estratégica?
3. Cura. O que necessito curar em mim? Como me abrir para esse processo?
4. Sedução. O que me seduz? De que formas posso acessar meu poder de sedução e conquista?
5. Criticidade. Como está meu senso crítico. O que fazer para lidar bem com as críticas (inclusive as minhas próprias)?
6. Controle. Tenho facilidade em me controlar? De quais situações devo abrir mão do controle?

A contemplar venenos e curas,
   Alannyë Daeris.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Método Oracular das Escolhas e Decisões

   O método a seguir foi inicialmente desenvolvido por mim para uma consulente em uma leitura profissional de Petit Lenormand, e após algumas experimentações com ele, cheguei à estrutura que apresento nesse post. É uma tirada simples mas versátil, podendo ser aplicada em infinitos contextos que dependam de uma atitude ou decisão: triângulos amorosos, manter uma relação afetiva ou se separar, optar entre propostas profissionais, trocar de carreira ou de faculdade, investir ou não em um um projeto, enfim!
   Você pode escolher o oráculo de sua preferência para realizar a leitura; o Tarot, Petit Lenormand (Baralho Cigano), Vera Sibilla, Runas e outros oráculos de cartas e rúnicos são indicados, desde que permitam a configuração apresentada na imagem. Para maior aprofundamento e detalhes, você pode duplicar as posições 1, 2, 3 e 10, especialmente no Lenormand e Tarot, nesse último sendo recomendado o método europeu (um arcano maior + um menor).

O Método


1. Momento atual. Carta que simboliza o consulente agora e as circunstâncias que o cercam. O que busca ou deseja de verdade?
2. O que lhe fará bem. Qual a atitude aconselhada ou o melhor caminho nessa questão. O que será de fato melhor?
3. Previsões. Perspectivas gerais de futuro para o assunto ou situação que está sendo analisada.
4 - 5 - 6. Agir. O que ocorre se tomar a atitude.
6 - 8 - 9. Não agir. O que ocorre se não tomar a atitude.
10. Síntese. Resumo da leitura, revelando a energia geral da questão e sintetizando seu sentido principal.

A atravessar portões e trilhar caminhos,
   Alannyë Daeris.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

W'ab - Pureza e Purificação no Culto Kemético

   A purificação é um conceito central no Kemetismo, e pode ser considerada a primeira etapa para qualquer prática ou ritual realizado com os Netjeru. Não é mais nem menos importante que as outras etapas de um ritual, mas é necessário compreender que a purificação é um ato de respeito para com nosso corpo e com o Divino, e garante que o resto da prática será eficaz e surtirá os efeitos desejados.
   Assim como não reutilizamos os pratos sujos de comida sem antes lavá-los, não devemos movimentar energias e realizar atividades espirituais com os Deuses se estamos portando impurezas energéticas, que inevitavelmente vão se acumulando no cotidiano sem que notemos. O conceito de pureza a que os egípcios se referiam nada tem a ver com "pecados" ou "virtudes", e sim com a importância de estar adequadamente asseado e harmonizado na hora de realizar atos devocionais ou mágicos, ainda que palavras nocivas e comportamentos negativos que realizamos possam gerar isfet (caos e desordem), e consequentemente nos tornar impuros até que tomemos uma atitude para retirar tais energias. Portanto, a purificação é o processo de nos consagrarmos para um momento sagrado.
   A palavra W'ab significa "pureza, higiene, banhar-se, tornar puro", e pode ser representada pelo hieróglifo A6 (um homem em posição de henu/saudação com um jarro vertendo água sobre sua cabeça, cujo significado varia bastante de acordo com o contexto), ou pelo hieróglifo D60 (um jarro com pés, vertendo água, cujo significado é ser ou estar limpo), ambos demonstrados na imagem ao lado. O segundo símbolo indica que a purificação é um processo contínuo, como um caminho que precisa ser percorrido sempre que uma prática espiritual for realizada. E pela presença da água nos hieróglifos, também podemos deduzir que a limpeza espiritual obrigatoriamente envolve a limpeza física, uma depende da outra.
   No Egito Antigo, os templos só permitiam a entrada de visitantes segundo rígidas normas de pureza, que podiam incluir o jejum de determinados alimentos (como cebola roxa e carne de asno, porco ou peixe) por vários dias antes da visitação, banhos de natron, depilações (para evitar a proliferação de piolhos) e proibição de contato com determinadas pessoas e situações consideradas impuras. As regras de pureza eram significativamente mais rígidas para sacerdotes e funcionários dos templos, estendendo-se também às suas atitudes e comportamentos, que precisavam ser exemplares e atender aos 42 Ideais de Ma'at.
TT96, Complexo de
Tumbas de Sennefer.
   Os elementos básicos de purificação dentro da religião egípcia são água e natron, um mineral composto por carbonato de sódio, bicarbonato de sódio, sal e sulfato de sódio, com alto poder antisséptico. O natron era utilizado pelos antigos egípcios na higiene bucal, corporal, na limpeza da casa, como inseticida, e era um ingrediente chave no processo de mumificação. É capaz de purificar e proteger espiritualmente tanto os vivos quanto os mortos, e é muito evidente sua importância simbólica dentro do Kemetismo. O próximo post dessa série será sobre ele!
   Na modernidade, a purificação para feitiços, rituais e conexões com os Deuses egípcios não exige jejuns nem as práticas que eram realizadas nos templos antigos; entretanto, a pureza ainda é um conceito fundamental. Antes de rituais e celebrações mais elaboradas, é ideal que o praticante realize a higiene normal do corpo - escove os dentes, tome um banho completo (com natron ou ervas), e apare os pelos e unhas. Em práticas mais simples, como meditações e orações, ou quando não for possível realizar toda a rotina de higiene, é suficiente lavar as mãos e o rosto, escovar os dentes.
   O estado de pureza também se aplica ao ambiente e altar onde a prática será realizada, portanto, separe alguns minutos antes de começar para varrer o chão, organizar o recinto, tirar o pó do altar e dos instrumentos, e outras arrumações ou limpezas que se mostrem necessárias no local. Só então é possível seguir para a purificação espiritual do ambiente, que pode ser feita aspergindo natron e água, defumando com incensos naturais (nunca os de vareta feitos de carvão), sinos e sons, manipulação energética e diversos outros métodos. Existem alguns ingredientes que não devem ser utilizados nas práticas ou altares keméticos por serem considerados impuros, como é o caso dos incensos de vareta indianos, compostos de carvão e esterco de vaca, um material altamente inadequado na visão egípcia.
   É recomendado que praticantes mantenham uma rotina de purificações frequente, se possível diária ou semanal. Uma prática diária simples é lavar o rosto, as mãos e a boca com natron pela manhã, ou logo antes das suas atividades espirituais, se não for de seu costume ou possível se banhar por inteiro. Além da higiene física, a purificação pode envolver defumações, sons e sinos, abanilhos (leques de penas) e vassouras ritualísticas, ou outros métodos de sua preferência - portanto, o natron não é um ingrediente obrigatório para alcançar um estado de pureza satisfatório, mas é recomendado que se tente usá-lo sempre que possível antes de rituais e feitiços na presença dos Netjeru (Deuses egípcios).

Referências de Concepts of Purity in Ancient Egyptian - Quack, J. F.

A purificar meu coração,
   Alannyë Daeris.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Resenha: The Pictorial Key to the Tarot (O Tarô Ilustrado de Waite), de Arthur Edward Waite

   Sinopse: Estas cartas tornaram-se o baralho de maior autoridade já visto. A seriedade e a tradição deste tarô originam-se inicialmente da Ordem Mágica do Amanhecer Dourado e conduziram a tradição secreta ensinada pelos mistérios ancestrais. Waite deteve-se longa e carinhosamente sobre cada um dos 22 Arcanos. Essas são, naturalmente, as cartas que dão ao tarô a sua fascinação misteriosa. As raízes do tarô reportam-se à Kabbalah da antiguidade hebraica. O Tarô de Waite é cheio de símbolos que atraem nossa atenção apenas indiretamente - sua descoberta gradual é uma das surpresas deste livro.

Ficha Técnica


   Autor: Edward Arthur Waite
   Ano: 1911 (1ª edição) - 1999 (edição da imagem)
   Editora: Kuarup
   Páginas: 192

   O Tarô Ilustrado de Waite, sob o título original "The Pictorial Key to the Tarot", é um dos mais importantes livros sobre o tema, de autoria de Arthur Edward Waite - o criador do emblemático baralho de tarô que leva seu sobrenome. Esse manual lançado em 1911 originalmente acompanhava o baralho de Waite-Smith, e ainda hoje costumam ser vendidos juntos nas versões de algumas editoras.
   Nessa obra de linguagem rebuscada e com ares vitorianos, Waite desmente inúmeros mitos e narrativas fantasiosas sobre o Tarô e a sua origem - e é incrível perceber que ainda hoje muitos desses mitos ainda se perpetuam na comunidade esotérica. Se você já ouviu falar que o Tarô veio do Egito, nesse livro que você descobrirá quem foi o criador dessa teoria e como tudo isso começou. Waite também discorre sobre outros autores com obras relacionadas ao Tarô, como Etteilla e Papus, deixando claro suas visões e descontentamentos com o trabalho que fizeram.
   Já li muitas críticas quanto à complexidade da escrita do autor, e sua tonalidade que soa presunçosa ou altamente crítica em alguns momentos, mas aprecio a honestidade e é perceptível que tem pleno entendimento de suas afirmações, apesar de ser um linguajar realmente maçante que demorei a me acostumar. Embora esteja resenhando a versão em português, a versão que li foi a original em inglês, e é possível que a tradução para nossa língua tenha facilitado a compreensão.
   Após alguns capítulos curtos, mas densos, e de palavreado desafiador para leitores menos acostumados com a escrita do começo do milênio passado, o leitor é introduzido aos arcanos maiores e menores conforme a sequência proposta no tarô de Waite. A simbologia das cartas é indicada pelo texto, e alguns dos sentidos divinatórios para as cartas são oferecidos, incluindo para cartas invertidas - mas não espere descrições elaboradas e profundas, pois aqui há breves comentários apenas para instigar a percepção de quem lê. Depois das descrições, há um apanhado de interpretações divinatórias para todos os arcanos, e mais alguns significados adicionais para os menores.
   O método da Cruz Céltica, amplamente utilizado e estudado na modernidade, foi publicado pela primeira vez aqui nessa obra, junto de um estilo alternativo de tirada e um método bem elaborado de 35 cartas. Waite também oferece algumas sugestões de significados atrelados à repetição de cartas do mesmo número numa tirada (ex: dois 7, ou três rainhas). E para encerrar, cita uma bibliografia de livros escritos sobre as cartas até aquele período que poderiam ser pesquisados - mas não sem dizer ao leitor que "não recomendaria isso, pois suficiente já foi dito sobre Tarot" no livro dele. Presunçoso ou realista, dado o contexto? Talvez ambos, mas certamente antológico.

A explorar clássicos,
   Alannyë Daeris

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Oração a Sobek

Ó Imponente Crocodilo
Sobek é quem reina no Nilo!
Silencioso no pântano
Com chifres de carneiro
E movimento sorrateiro
Supremo Filho de Neith
Senhor das vias aquáticas
Portador da Ankh e do Was
Guardião de feroz coração
Seu ataque é certeiro
Seu olhar é enigmático
Afiados são seus dentes
Defensor dos inocentes
Desfazedor de maldades
Deus da vida e da fertilidade
Sê comigo benevolente
Quanto àquilo que sou carente
Soberano Magnífico do Kemet
Rogo que conceda-me sua coragem
Sou imensamente grato, ó Vigilante!

A mergulhar nos domínios do Encouraçado,
   Alannyë Daeris.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Duat e Aaru - O Submundo e o Pós-Vida no Egito Antigo

   O Duat (dwꜣt) é o plano de transição dos mortos para a vida eterna na espiritualidade kemética, representado pelo hieróglifo de uma estrela dentro de um círculo. Ele se localiza no corpo de Nut segundo os Livros do Céu de períodos tardios, em uma localidade próxima da linha do horizonte, mas não há um consenso acerca de suas características exatas nas fontes egípcias, que ora citam o Duat como um plano ctônico e abaixo da terra, ora celestial e num local oculto do firmamento. Em realidade, é possível que fosse entendido como um plano transicional entre o céu e a terra, que abrange as estrelas e os astros mas também é subterrâneo.
   Além de ser o reino de Osíris, o Deus dos Mortos, e de outras divindades relacionadas ao Submundo, o Duat está intimamente ligado a Ra, o Deus Sol, que morre todo anoitecer e atravessa o submundo com sua barca solar durante o período da noite, iluminando o reino dos mortos e lutando contra seu eterno adversário, a serpente A.p.e.p (Apófis), que controla as forças do caos.
Pintura na tumba de Thutmose
III, da Hora 4 do Amduat.
   Ra possui muitos ajudantes nessa batalha - inclusive espíritos luminosos (Akh) de indivíduos que alcançam a vida eterna -, mas precisa superar obstáculos e desafios que são detalhados em alguns escritos, como no Livro do Amduat, reservado apenas para o Faraó e a nobreza. É dessa noção que posteriormente surge a ideia de periculosidade na travessia do Duat para as almas dos egípcios em geral, que precisavam se mostrar dignos para obter a dádiva da eternidade.
   É um conceito que já existe desde os primeiros registros funerários do Antigos Egito, os Textos das Pirâmides, que datam de meados da Quinta Dinastia. Diversos livros e compilações de textos egípcios tratam acerca do Duat, sendo os principais os Textos das Pirâmides (Pyramid Texts), os Textos dos Sarcófagos (Coffin Texts), o Livro dos Dois Caminhos (Book of Two Ways), Livro das Cavernas (Book of Caverns), Livro dos Mortos (Book of Coming Forth by Day), Livro do Amduat, Livro dos Portões (Book of Gates) e os já citados Livros dos Céus (Books of the Sky), mas esses não são os únicos. Cada um desses conjuntos de escritos, vignettes e spells oferece uma perspectiva diferente e muitas vezes contraditória às outras, o que ocorre com frequência na mitologia kemética, pois os egípcios compreendiam que não havia uma única verdade ou visão suprema nos temas espirituais, e que o entendimento dessas questões escapava à sua compreensão plena.
   Os Textos dos Sarcófagos surgem no início do Império Médio num momento de "democratização" do pós-vida, cujo acesso aos papiros e feitiços funerários deixou de ser exclusivo ao Faraó como acontecia com os Textos das Pirâmides, e passou a ser disponível às pessoas normais da sociedade, desde que pudessem arcar com escribas para elaborar seus papiros mágicos de proteção, sacerdotes para efetuar os rituais que o despertariam no além e lhe devolveriam os sentidos, amuletos e outros aparatos funerários - como as "casas da alma" (soul houses) que surgiram em meados de 2000 a.D, miniaturas de casas feitas de cerâmica ou madeira e decoradas com móveis e alimentos, que serviam para prover as necessidades do falecido na eternidade. Junto à popularização do Duat, alguns conceitos surgiram e se estabeleceram a partir de então, como os grandes perigos, monstros mitológicos e dificuldades que aguardam as almas que realizam a travessia.
   O Livro dos Dois Caminhos é um dos mais importantes nesse sentido, e foi o precursor dos livros do submundo elaborados no Império Novo, bem como do famoso Livro dos Mortos, pois apresenta um mapa simbólico do Duat e sugere algumas de suas características geológicas e topográficas - como cidades, montanhas, rios, lagos, campos, cavernas e ilhas, em muitos pontos iguais à Terra, mas de cabeça para baixo. Existem também elementos sobrenaturais, como um lago de fogo que divide os dois caminhos possíveis de/até Rosetau, paredes de metal, labirintos confusos que ziguezagueiam sobre água e terra e se fundem entre si, com becos sem saída e paredes de ferro. Somente conseguindo navegar por esses obstáculos e superá-los um falecido se tornaria um espírito luminoso (Akh) e viveria eternamente. Nos Textos dos Sarcófagos, o spell 1072 elucida: "Os caminhos aqui estão em confusão, cada um deles é oposto ao seu similar. São aqueles que os conhecem que encontrarão seus caminhos. Eles estão altos nas paredes de pedra que estão em Rosetau, que está tanto na água quanto na terra.".
   Outro aspecto desafiador no submundo são os portões protegidos por divindades ameaçadoras e entidades perigosas, que podiam impedir a jornada do falecido caso ele não fosse digno. Entretanto, em muitos escritos e feitiços tais entidades atacam os mortos indiscriminadamente, e só podem ser derrotadas caso o indivíduo saiba seus nomes verdadeiros e possa efetuar feitiços adequados contra elas - por isso a importância dos textos funerários e amuletos, inclusive para proteger o morto de ser decapitado ou perder sua magia (heka) enquanto no submundo.
   Pois sim, o espírito podia falecer enquanto atravessa o Duat e ser incapacitado de alcançar a vida eterna, e pela quantidade massiva de textos, objetos e práticas dedicadas à essa finalidade, é possível concluir que a obtenção da vida eterna nos Campos de Juncos era o objetivo maior de cada cidadão egípcio. Muitos dos feitiços nos Textos dos Sarcófagos são voltados para a proteção contra monstros e entidades malignas, como o spell 474 que se refere às entidades pescadoras que caçavam as almas dos falecidos no Duat: "você não irá me capturar com a rede em que captura os mortos".
   Em alguns escritos, a moradia de certos Deuses/Netjeru é atribuída como o Duat - além de Anúbis e Osíris, os Senhores do Submundo, Hathor, Horus (Heru-Wer) e Ma'at, além de uma infinitude de seres mitológicos, guardiões assustadores com nomes bizarros, e entidades malignas associadas a Apófis (A.p.e.p). É incerto se todas essas criaturas são servos de Apófis ou se algumas estão sob o domínio dos Netjeru, pois uma pequena parcela dos guardiões é relatada como favorável ao falecido, mas apenas se ele se mostrar digno.
   Os caminhos do Duat levam aos Campos de Juncos, mas esse não é o único destino possível para um Akh. O Livro dos Dois Caminhos também cita a localização da Mansão de Thoth no lugar de ma'at (verdade), para aqueles que seguem um culto lunar e desejam se tornar estrelas no céu noturno.

Rosetau - Aboda de Wesir 


   Foi estabelecido pela primeira vez no Livro dos Dois Caminhos, e parece ser um plano ctônico nas profundezas do Duat. O spell 241 dos Textos dos Sarcófagos faz alusão a ser um local onde os mistérios do submundo estão reservados: "Eu (falecido/Osíris) vim a Rosetau para saber o segredo do Duat, em que Anúbis é iniciado". Mas é evidente que não é um ambiente de permanência das almas, apenas uma transição ou passagem até chegar no salão do julgamento ou até Aaru.
   O termo Rosetau é interessante pois significa "passagem de arrastar", e faz menção a ser uma entrada irregular como de uma tumba, e com o tempo própria necrópolis de Memphis e de Abydos passaram a ser denominadas assim, até que Rosetau se tornasse uma referência à transição para o submundo, ou do submundo em si.

Aaru (jꜣrw) ou Sekhet-Aaru (sḫt-jꜣrw) - Os Campos de Juncos


Agricultura em Sekhet-Aaru
no Papiro de Nakht, da 18ª
Dinastia.
   As almas que conseguem percorrer com êxito todo o Duat chegam ao Salão das Duas Ma'ati para o julgamento final, onde seus corações serão pesados na balança contra a pena de Ma'at, e precisarão recitar as 42 Confissões Negativas mediante os juízes divinos. Quem for considerado indigno é devorado pela entidade maligna Ammit e consumido pela escuridão (ainda que existam relatos de espíritos que sobrevivam e permaneçam no Duat se tornando ameaças) e os dignos se transformam em "Akh" (espírito luminoso), e continuam sua travessia até chegar em Aaru, os Campos de Juncos - mas não há garantia de êxito nessa última jornada, e para adentrá-lo, devem ser capazes de atravessar os portões protegidos por monstros e divindades menores ameaçadoras armadas com facas, variando entre 15 a 21 portões de acordo com o registro.
   No Livro da Vaca Celestial, que alguns trechos datam do Primeiro Período Intermediário (2181-2400), há uma referência a Atum-Ra criar os Campos de Juncos após decidir que não irá destruir suas criações humanas. Os Campos de Juncos são compostos de ilhas férteis que pode ser considerada uma versão idealizada do Nilo em seus períodos férteis - e o próprio Aaru é considerado o Ka do Delta do Nilo (leia mais sobre o Ka e as partes da alma aqui) - ideal para agricultura, caça e pecuária, onde os espíritos luminosos e dignos se reúnem em cidades e podem viver por toda a eternidade junto a Osíris, tendo uma vida similar à da Terra. Portanto, mantinham suas ocupações, como era o caso dos Faraós, que continuavam numa posição de liderança. Para "burlar" a necessidade de trabalhar eternamente, surgiu a prática dos ushabtis, pequenas estátuas em formato de trabalhadores que eram ativados magicamente para trabalhar pelo seu dono no pós-vida, enquanto ele pode gozar de uma eternidade tranquila e sem obrigações.
   Mas os espíritos luminosos que alcançavam o Aaru não estavam confinados a ele, e podiam interferir de maneira positiva ou negativa em relação aos vivos - para punir malfeitores, intervir em assuntos que os vivos requisitam, favorecer e abençoar seus congêneres e descendentes, ou se vingar de ofensas ou descaso com suas tumbas. Portanto, era de interesse comum que os mortos alcançassem o status de Akh, e as famílias não mediam esforços para garantir os ritos funerários adequados, oferendas e outros aparatos para garantir um Akh que intercederia por elas nos momentos de necessidade.

Sekhet-Hetep - Campo das Oferendas


O pós-vida em Sekhet-Hetep,
extraída do Papiro de Anhai
c.1150b.C.
   Menções a um Campo das Oferendas, ou se traduzido literalmente, Campo da Paz, também aparece em alguns escritos, por vezes se referindo ao Aaru, e em outras dando a entender que se trata de um outro local, um plano à parte onde Osíris também reside. Em certas descrições, é citado como sendo o berço de nascimento dos Deuses. Por exemplo, no spell 77 do Livro dos Mortos para que o falecido se transmute em um falcão de ouro, são citados dois Campos: "Estou completo como o belo falcão de ouro sobre o poleiro da garça, cujas palavras Ra vai para ouvir diariamente. Eu sento dentre esses grandes Deuses do Ceu-água, os dois campos de Hetep estão dispostos para mim em minha presença".
   O Sekhet-Hetep é descrito com mais detalhes nos Textos das Pirâmides, onde muitos spells fazem menção às suas características geográficas - incluindo medidas de distância metafóricas, distritos, caminhos e locais para oferendas, que são de longe as localidades mais referidas nesse plano, ocorrendo nos spells 2, 6, 7, 8, 22, 23, dentre outros.
   Esse plano possui muitas descrições de ilhas específicas e divisões, como em uma spell do Livro dos Mortos no Papiro de Nebseni que indica que o local de reencontro entre as almas e seus entes amados se dá na ilha de Qenqenet: "O Qenqenet, eu adentrei em ti, e eu vi Osíris (o pai), e eu vi minha mãe, e me uni [à minha esposa]". Para maiores informações, recomendo as leituras abaixo que serviram de base, em especial o livro de E. A. Wallis Budge, The Egyptian Heaven and Hell.

Referências
- Imagining the Beyond: The Conceptualization of Duat between the Old and the Middle Kingdoms - Silvia Zago
- Religion in Ancient Egypt: Gods, Myths, and Personal Practice - David P Silverman, John Baines, Leonard H. Lesko
- Magic in Ancient Egypt - Geraldine Pinch
- The Egyptian Heaven and Hell - E. A. Wallis Budge
- Contextualizing the Osiris Shaft at Rosetau (Giza) in Archaeological History - Nicholas Edward Whiting
- The Ritual Landscapes of the Field of Hetep - Peter Robinson

A ofertar Ib, e Ma'at a Yinepu, o Senhor do Duat,
   Alannyë Daeris

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Resenha: The Complete Lenormand Oracle Handbook, de Caitlin Matthews

  Sinopse (na língua original): In this complete guide to Lenormand card reading, Caitlín Matthews explains the multiple meanings for each card, providing keywords so the reader can quickly build an interpretive vocabulary for Lenormand fortune-telling. She details how to lay spreads, starting with 3 or 5 cards and building to the Grand Tableau spread, which uses all 36 cards. She explores the significance of the playing card pips and suits on each card and how cards combine to create a variety of meanings. Matthews enables readers to learn the Lenormand card keywords so they can both read for themselves and express their interpretations to clients. Providing real case histories for readers to interpret, she also includes self-tests and practice exercises with answers to check at the end of the book. 

Ficha Técnica


   Autora
: Caitlin Matthews
   Ano: 2014
   Editora: Destiny Books
   Páginas: 416

   Essa é uma obra que muito já me foi recomendada quando o assunto é o estudo tradicional do Petit Lenormand, popularmente conhecido como Baralho Cigano. Sua quantidade mais extensa de páginas, recheadas de informações interessantes, podem assustar à primeira vista, mas esteja ciente de que esse livro busca fazer um apanhado geral de um assunto que pode ser muito mais desenvolvido em diversos aspectos. Tenho alguns elogios mas muito mais críticas, pois sinto que foi uma proposta executada de maneira superficial e que se beneficiaria de uma reorganização nas ideias e reedição da estrutura.
   Há ensinamentos de certa complexidade contidos no decorrer dos capítulos desse livro que exigem maior concentração e experimentações, um envolvimento prático extenso com as cartas. Pode ser difícil para leigos acompanharem o raciocínio em alguns pontos, em especial no início, pois a estrutura de organização dos temas não facilita muito o processo e acaba confundindo; e às vezes, o conteúdo em si se torna denso e cansativo, maçante demais para absorver. Os exercícios são interessantes, mas alguns no começo da leitura parecem causar mais dúvidas que entendimento, então recomendo que sejam reservados para quem já se arrisca a ler as cartas há um tempinho.
   The Complete Lenormand Oracle Handbook é um dos mais citados livros sobre o Petit Lenormand, pois faz um trabalho aceitável em categorizar e explicar sobre as cartas, técnicas e métodos tradicionais, começando na história e origem do oráculo. Trata com muitos detalhes a respeito das características de cada lâmina, sobre os naipes, formas de entendê-los, e como funciona a linguagem do Lenormand em pares e trincas para elaborar histórias e extrair sentido e contexto.
   Antes de tratar sobre métodos mais complexos como a Mesa Real, a autora se aprofunda na estrutura de caixa 9x9, e em métodos de análise como o espelhamento, knighting, e de casas, facilitando a compreensão na hora de transicionar para a leitura completa com 36 cartas. Mas não se limita nisso, e aborda também as técnicas para analisar distância e proximidade na Mesa, determinação de tempo, lugares, e orientações para conduzir leituras para si mesmo e para consulentes. Os apêndices ao final incluem exercícios, métodos e estudos, bem como referências rápidas para ajudar no processo de aprendizado, e num geral, são apêndices bons. Apesar do teor tradicional do livro, certas práticas ensinadas por Caitlin são de autoria dela, em especial algumas do capítulo 6.
   É preferível que já se tenha uma base de conhecimento sobre o baralho antes de iniciar a leitura. Não é uma obra perfeita, e há outras melhores, mas pode ser produtiva, excluindo alguns defeitos latentes como o devaneio completo que é o capítulo 8. Existem inconsistências nas descrições e palavras chaves das lâminas e as interpretações oferecidas nos exercícios, e há momentos em que conhecimentos básicos e avançados são misturados - não é um problema para quem já entende de Lenormand, mas para quem está aprendendo, pode ser muito confuso e penoso de acompanhar.

A desgostar de certas esquisoterices com o Lenormand,
   Alannyë Daeris.