terça-feira, 27 de setembro de 2022

Kemetismo - Reversão das Oferendas

   Em outras oportunidades, já discursei a respeito das oferendas comuns no Kemetismo, e também sobre as fórmulas tradicionais para o ato da oferta. Hoje, portanto, aprofundarei no tema da reversão das oferendas, a qual citei superficialmente no primeiro texto referido.
   A reversão de oferendas é o termo usado para caracterizar uma etapa específica das práticas ritualísticas egípcias, próximo ao final da atividade, em que uma parcela ou toda a oferenda, libação ou oferta feita aos Netjeru (Deuses) é consumida ou utilizada; isso também pode ser realizado posteriormente, no caso de objetos e matérias primas. O embasamento consiste no fato que as oferendas na Antiguidade não eram desperdiçadas ou descartadas - o que seria ilógico considerando a relativa escassez de alguns alimentos, como a carne -, e sim consumidas e usadas pelos trabalhadores e sacerdotes dos templos, e divididas entre os fiéis. 
   Nos festivais e celebrações públicas, os registros arqueológicos e estudos subsequentes geralmente apontam para uma disponibilização das oferendas alimentícias para o público participante.
As oferendas de itens costumavam ser usadas pelos sacerdotes e funcionários do templo, e eram distribuídas dentre diversos departamentos dentro dos templos, então não há problema algum em utilizar aquilo que foi ofertado. No caso das jóias, elas costumavam ser dispostas sobre estátuas dos Deuses, ou guardadas em caixinhas para ocasiões especiais, pois haviam numerosos exemplares de ornamentos em metais preciosos e cravejados de gemas nos templos, para adornar as estátuas no cotidiano.
   No Kemetismo, é comum acreditar que as divindades imbuem as oferendas com seu Ba, portanto ingeri-las é uma forma de absorver e ser abençoado com tais energias divinas, como uma forma de comunhão - a eucaristia cristã atua de forma similar, se considerarmos a hóstia como imbuída espiritualmente das bênçãos de Cristo e tornando-se seu corpo. Podemos afirmar que tudo aquilo que é ofertado acaba imantado de bênçãos e boas energias, e seria uma desfeita não receber as bênçãos dos Netjeru. É uma simbologia ritual para a relação de troca e reciprocidade que existe entre a humanidade e a divindade. Como o renomado autor Richard Reidy afirma em seu livro Eternal Egypt (pg. 221):

"O alimento traz a nós e aos Netjeru em contato com os misteriosos e criativos poderes da vida. A oferta de comida, portanto, representa bem mais que um gesto amável de generosidade em relação aos Netjeru. Ela representa de forma material a renovação da vida."

   A exceção para a reversão são as oferendas de Akhu (ancestrais), que eram dispostas nas tumbas e portanto parecem ter se mantido intocadas, ou consumidas somente por quem atendia aos ritos funerários e dessa forma já estaria em contato com a energia da morte. Há quem defenda que não há problema em consumir as oferendas dos ancestrais, mas costuma ser bem mais aceito o costume de deixá-las intactas e somente reverter as oferendas para Netjeru e Netjeret (Deuses e Deusas).
   Em outros caminhos pagãos e neopagãos, é frequente a entrega de oferendas em locais naturais, encruzilhadas ou o descarte no lixo, mas dentro de um viés kemético, "descartar" as oferendas abençoadas pelos Deuses pode ser tido como uma ofensa, ou descaso para com o sagrado, uma quebra do ciclo de reciprocidade. Portanto, é sempre indicado que se ofertem alimentos e bebidas que o praticante goste de ingerir, ou que possa empregar em receitas e outras atividades. Evite fazer oferendas "só por fazer", que não poderão ser reaproveitadas posteriormente, pois mesmo uma boa intenção não compensa o desperdício desnecessário.

A me alimentar do que é mais sagrado,
   Alannyë Daeris 

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