Pouco se fala a respeito de
Heka, a magia praticada pelos antigos egípcios, portanto a próxima afirmação pode ser uma surpresa para muitos leitores: os egípcios já entendiam a importância dos banimentos desde meados de 2686 a.C., como atestado pelos mais de 1000 sítios considerados "depósitos de execração" encontrados pelos pesquisadores, repletos de fragmentos e textos ritualísticos para proteção e destruição do mal. Hoje, venho tratar dos
feitiços de execração - o que eram, para que serviam e como eram feitos -, e num próximo texto, pretendo trazer instruções práticas para feitiços modernos de execração.
Os mais famosos exemplos desse tipo de feitiço são as maldições escritas nas paredes das tumbas, mas até o presente momento já foram descobertos milhares de fragmentos ritualísticos - muito mais comuns que essas maldições populares em obras hollywoodianas -, que podiam ser direcionados para proteção contra inimigos, afastar entidades ou espíritos malignos, defender e gerar Ma'at através da prática mágica, ou destruir inimigos do Faraó e do Estado (especialmente em períodos de guerra). A execração podia ser preventiva ou retaliativa, mas parecia se voltar mais para evitar os infortúnios, ou para banir os desafetos, realizando a defesa espiritual da pessoa.
Na Prática
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Estatueta exposta no Rijksmuseum van Oudheden. |
Desde o princípio, os rituais de execração envolviam a escrita do encantamento ou maldição em um objeto com tinta vermelha, execrá-lo ritualisticamente, quebrá-lo e enterrá-lo em um cemitério ou local designado para o depósito de execrações. A cor vermelha desde aquela época já simbolizava tanto o perigo quanto a vitalidade, e era geralmente usada pelos escribas ao se referir a deuses "ameaçadores", como Set.
O formato do objeto variava bastante: potes de argila vermelha, estatuetas de estrangeiros com os membros amarrados e/ou vendados, ou ainda blocos e tábuas simples de cerâmica ou barro inscritos com os encantamentos. Quanto ao material, além da argila crua, foram descobertos vestígios de estátuas de cera de abelha derretidas (talvez fossem velas rudimentares entalhadas!), e figuras de madeira e pedra-sabão. Mas egiptólogos acreditam que papiros e cera eram os materiais mais utilizados na época para esse tipo de feitiço, pois mesmo que seus restos não existam mais, há evidências que sugerem a favor desses materiais no Papiro Bremner-Rhind.
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Estatuetas de execrações egípcias. Fonte. |
Através dos textos hieráticos, sabemos que entre o ato de escrever os encantamentos e nomes no objeto e a quebra do objeto, havia sempre alguma cerimônia a ser realizada para execrar de fato o alvo. Geralmente o item era amarrado, e depois pisado, esfaqueado, cortado, cuspido, socado, queimado, trancado em uma caixa, urinado, e só então enterrado. Nem sempre o ritual envolveria todos os passos citados, mas poderia repetir certas atitudes ou pedir que sejam feitas de forma específica. Por exemplo: "cuspir quatro vezes, pisar com o pé esquerdo, estocar com uma lança, cortar com uma faca, colocar no fogo e enquanto em chamas, cuspir muitas vezes", como está instruído em um rito registrado no artigo que referencio no final do texto.
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Feitiços inscritos em fragmentos de objetos de barro vermelho. Fonte. |
O processo cerimonial de imbuir o objeto com a intenção e em seguida quebrar os nomes e enterrá-los é um tipo de magia simpatética ou simpática, afetando as pessoas ou entidades que foram atribuídas na ritualística. Os fragmentos eram enterrados nos locais associados com a morte (cemitérios, tumbas e depósitos específicos para
heka de execração) para que as pessoas/entidades malignas citadas não pudessem afetar a vida do magista, e também para que ficassem bem longe, impotentes.
Entretanto, nem todas as execrações envolviam quebrar objetos de argila; pois em determinadas situações eram confeccionados amuletos protetores, que eram usados para garantir a defesa contra tais pessoas ou entidades. Outras vezes, a estatueta era inscrita com os encantamentos e inserida dentro de um pote de argila, então enterrada, provavelmente intencionando a contenção e atamento do alvo, como é feito até hoje em outras tradições e sistemas mágicos.
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A execrar isfet em nome de Ma'at,
Alannyë Daeris.
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