Execrações são práticas mágicas keméticas de grande popularidade no Egito Antigo, bastante similares a banimentos. Como já mencionei com mais profundidade em outro texto sobre execrações, elas podiam ser realizadas contra pessoas, povos inimigos, ou para combater A.p.e.p, sendo esse último o tema a ser tratado aqui.
A.p.e.p*, cujo nome significa algo como "Grande Cobra", é a entidade kemética que caracteriza e personifica o mal, a injustiça e a desordem, conceito denominado "isfet", que por sua vez é o conceito oposto de "Ma'at", que unifica e representa o bem, a justiça e a ordem. O deus-sol Ra trava uma batalha eterna e diária contra A.p.e.p e suas forças malignas, que desejam destruir a criação e lançar trevas ao mundo. Ra viaja pelos céus em sua barca solar, e durante a noite quando adentra no submundo, é quando a serpente o ataca para impedir que ele siga sua viagem, e portanto, que o Sol nasça mais um dia. Na antiguidade, os sacerdotes de Ra realizavam as cerimônias de execração contra A.p.e.p diariamente, e haviam festivais e datas destinadas a observações públicas e privadas, ou seja, práticas individuais para banir isfet. Algumas das associações de Apophis (o nome grego para a serpente) são os acidentes, terremotos, trovões, a escuridão, tempestades, doenças e morte em geral. Era essencial que todos orassem, e fizessem execrações para auxiliar os Netjeru nessa luta constante, pois A.p.e.p se regenera durante o dia, enquanto Ra navega pelo firmamento iluminando os céus.
Ritual de Execração de A.p.e.p
Ra na forma de felino, esfaqueando A.p.e.p. |
Embora a ritualística esteja diretamente relacionada com Ra, em especial por questões mitológicas, você pode substituí-Lo por qualquer divindade egípcia com a qual possua proximidade, sem qualquer obrigação de executar esse ritual de execração sempre com Amon-Ra. Todos os Netjeru são inimigos de A.p.e.p, e todos podem ser invocados na batalha contra ele. Outra opção, se preferir manter Ra em seu ritual, é incluir nos encantamentos falados algumas referências às divindades que também participarão, e acender uma vela para cada uma, lembrando-se de saudá-las adequadamente no início.
Você precisará de:
• Um objeto simbolizando A.p.e.p, que será destruído ritualisticamente. Sugestões em ordem de preferência: um vaso de cerâmica; uma plaquinha de argila já seca; uma vela vermelha; uma serpente de massinha de modelar vermelha; ou um pedaço de papel.
• Uma caneta, lápis ou canetinha vermelha.
• Um pedaço de barbante ou fita.
• Uma faca, punhal ou athame. Se não for um instrumento mágico propriamente consagrado por você, purifique antes do uso.
• Natron; ou misture uma colher de sopa de sal e outra de bicarbonato de sódio para recriar esse ingrediente de purificação.
• Água gelada e/ou outras oferendas de sua preferência.
• Uma vela branca ou de cor correspondente à divindade que participará do ritual. Para Ra, vela amarela ou laranja.
• Um caldeirão ou recipiente à prova de fogo.*
• Álcool para acender o caldeirão.*
• Uma tigela, copo ou recipiente com água, para diluir o natron.
*Esses materiais só são necessários se você optar por um material que pode ser queimado, como o pedaço de papel, a plaquinha de cerâmica, ou a vela vermelha (que dispensa o álcool).
Na Prática
Organize os itens em seu altar, ou no espaço que reservou para o ritual. Certifique-se de que não haverão interferências, e concentre-se. Dilua o natron (ou o sal+bicarbonato) no recipiente com água, e aspirja o ambiente e a si mesmo, dizendo:
"Eu estou puro, eu sou puro, eu estou puro. A minha pureza é a pureza dos Netjeru."
Acenda a vela e saúde a divindade que participará do seu ritual de execração - com um gesto de saudação como o henu, por exemplo. Faça as oferendas e dê início ao ritual como for de seu costume.
Usando a caneta vermelha, escreva "Apep" no objeto que o simbolizará. Identifique o objeto como a serpente maligna que cria o caos e a destruição, relembre de todas as coisas ruins que existem no mundo e que são atribuídas a A.p.e.p, e transmita para o objeto seu ódio, rejeição, fúria. Coloque o objeto no chão e cuspa nele quatro vezes, dizendo:
"Seja cuspido, isso é feito por Ra e seu Ka.
Ra surge em poder, Ra surge em vitória.
Ra surge exaltado, Ra surge preparado.
Ra surge em júbilo, Ra surge em triunfo.
Venha para que eu possa esmagar seus inimigos,
Venha para que eu dilacere o Mau-Disposto para Si,
Para que eu dê louvores ao seu poderio,
Para que eu exalte todas as suas manifestações luminosas."
Disponha o objeto no chão e diga o seguinte encantamento:
"Levanta-se, Ó Ra, e esmague seus inimigos, mortos ou vivos,
Expanda seu brilho, Ó Ra, pois seus inimigos estão caídos.
Comtemple, Ra tem poder sobre A.p.e.p,
Suas chamas ardem contra A.p.e.p"
Pise quatro vezes sobre o objeto com o pé esquerdo, e continue a fala:
"Que seu fogo recaia sobre todos os inimigos.
Seja poderoso, Ó Ra, contra seu inimigo!
Louvado seja, louvado seja, louvado seja"
Pise mais quatro vezes, ainda com o pé esquerdo. Agora, amarre o barbante ou fita ao redor do objeto, dando nós firmes. Recite:
"Aqueles que devem estar atados estão atados,
Apep, o inimigo de Ra, está amarrado,
Que você não saiba o que lhe é feito, Apep.
Vire suas costas, há testemunhos contra si.
Cuidado, você que está atado,
Você está amarrado por Heru,
Você está acorrentado por Ra,
Você não deve se levantar,
Você está condenado por Ra."
Com a faca em mãos, dê golpes, facadas e estocadas no objeto, enquanto recita o encantamento abaixo. Se o material escolhido por você foi o pote de cerâmica, quebre-o (jogando no chão ou usando um martelo) antes de começar a "esfaqueá-lo".
"Aprese, aprese, aprese, Ó Açougueiro,
Derrube o inimigo de Ra com sua faca,
Essa é a sua cabeça, Apep,
Cortada pelo sacerdote-guerreiro com sua faca,
Seja fatiado em pedaços pela sua maldade,
Seja fatiado por tudo que você fez,
Seja punido de acordo com o mal cometido.
Ra é triunfante sobre você,
E Heru o deixa cortado."
A etapa a seguir deve ser realizada apenas se for escolhido um material queimável, como a vela vermelha, o pedaço de papel, ou a plaquinha de cerâmica. Coloque o objeto representante de A.p.e.p dentro do caldeirão e adicione bem pouquinho de álcool, tomando as devidas precauções (exceto no caso da vela, que deve ser acendida). Fale:
"Fogo esteja em si, A.p.e.p, inimigo de Ra.
Que o Olho de Heru tenha poder sobre a alma e a sombra de A.p.e.p,
Que a chama do Olho de Heru devore o inimigo de Ra."
Ateie o fogo e diga:
"Seja completamente cuspido sobre, A.p.e.p,
Vá embora, se afaste, rasteje para longe, saia daqui!
Eu atei seus braços, eu lhe cortei,
e Ra é triunfante sobre você, A.p.e.p.
(cuspa 4x sobre o objeto no caldeirão)
Vá para trás, seja aniquilado!
Verdadeiramente o queimei,
Verdadeiramente o destruí,
O condenei a todo mal,
Para que seja aniquilado,
Para que seja cuspido,
Para que seja completamente não-existente."
Aguarde até que as chamas se extingam sozinhas, e não se preocupe se o objeto não for destruído, pois não faz diferença se restar alguma coisa.
Independente do material escolhido, você pode prosseguir e incrementar o ritual como for de sua preferência. Quando for o momento de encerrar o ritual, aspirja o natron no ambiente e em si mesmo. Diga:
"Todo alvoroço acaba aqui, A.p.e.p está abolido,
E todos os Netjeru estão em harmonia.
O inimigo de Ra foi aniquilado, atado e atacado,
E nenhum mal entrará nesse templo,
Todos os inimigos recuam perante minha presença.
Louvado seja, louvado seja, louvado seja."
Afaste-se do altar sem virar as costas, despeça-se das divindades invocadas, e faça um henu. Só então aproxime-se novamente e apague as velas, termine de organizar o altar. Os restos devem ser transferidos para uma sacola plástica e, se possível, levados até um lixo longe da sua residência.
Obs.: O nome de A.p.e.p está escrito no texto dessa forma incomum por questões religiosas, para execrá-lo na escrita assim como os egípcios o faziam em seus papiros. A tinta de cor vermelha, que simboliza tanto a vida quanto o mal e a destruição, era usada sempre que o nome de A.p.e.p era escrito, como uma medida de proteção e de ataque. Na modernidade, as rasuras servem o mesmo propósito.
FAULKNER, R. O. The Bremner-Rhind Papyrus - III. The Book of Overthrowing Apep. The Journal of Egyptian Archaeology, Vol. 23, No. 2 (Dec., 1937), pp. 166-185
A execrar definitivamente o inimigo de Ra,
Alannyë Daeris.
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