quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Como Iniciar no Kemetismo

  As perguntas que mais recebo nas mídias giram em torno do Kemetismo e o culto aos Deuses Egípcios: "Como começar? Por onde estudar e aprender mais? Tenho medo de ofender ou não ser 'aceito' pelos Deuses, como saber se estou no caminho certo?" Muitos se interessam pela religiosidade egípcia, mas poucos encontram direcionamento suficiente para dar os primeiros passos.
   Todas essas dúvidas já foram minhas, e entendo a enorme frustração quando não encontramos as respostas em lugar algum - ou quando não sabemos se há coerência naquilo que falam por aí. E espero não amolecer as esperanças de ninguém, mas a verdade é que não existe uma única fonte confiável que responda todas essas dúvidas. Quando elas existem, raramente estão disponíveis em português, e mesmo em fontes estrangeiras, requerem paciência, persistência e foco até que se tornem conhecimentos práticos.
   Portanto, esse texto visa introduzir os conceitos básicos de um culto Kemético, para quem não tem noção alguma, mas deseja muito se aproximar dos Deuses Egípcios, e começar a estruturar seu culto pessoal. Sob a minha perspectiva particular, existem três pilares que sustentam o Kemetismo, e são eles:

1. Conhecer
• Mitos e lendas egípcias, para compreender quem são os Netjeru e como se manifestam.
• Epítetos, sincretismos, associações entre Divindades.
• Conceitos chaves da espiritualidade kemética, como Ma'at, isfet, henu, execração, Heka, Akh, Duat, Netjer.
• Cultura, história e política egípcia. Sem entendimento do povo e de como se comportavam, não há um entendimento real da religião.
• Linguagem egípcia, termos frequentemente utilizados e expressões, hieróglifos.
• Calendário egípcio e as festividades celebradas.
• Ortodoxia Kemética (originalmente Kemetic Ortodoxy), uma instituição religiosa estrangeira que visa resgatar o culto aos Netjeru de forma tão tradicional quanto possível na modernidade. Ótimo ponto de partida para qualquer pessoa interessada no Kemetismo.

   Você não precisa ser um expert em Egito para começar a cultuar os Netjeru, mas se não souber absolutamente nada sobre eles, fica difícil construir uma relação, não é? Portanto, o estudo é o primeiro passo, mas precisa andar lado a lado com as práticas de devoção. Pesquise, faça anotações e crie o hábito de registrar aquilo que descobre sobre o Kemetismo e o Egito, para ter acesso fácil sempre que for necessário consultar uma informação.
   As fontes que recomendo são artigos e livros acadêmicos sobre Egiptologia, Arqueologia e História, ou cursos/workshops ministrados por professores das áreas citadas. Use ferramentas como o Google Scholar e o SciHub para ter acesso a esses conteúdos, e paciência para fazer avanços por meio da pesquisa. O domínio da língua inglesa é essencial, pois a grande maioria das informações não estão disponíveis em português.
   Alguns egiptólogos são referência em publicações sobre o Kemet, e dentre eles podemos citar Wallis E. A. Budge, Geraldine Pinch, Raymond O. Faulkner e Richard H. Wilkinson. Não recomendo leituras que não tenham embasamento histórico e arqueológico, num geral. Mas mesmo quando tratamos de egiptólogos, devemos manter uma análise crítica em relação às informações apresentadas, pois há muitas obras obsoletas (como é o caso de livros mais antigos do Budge), mas que ainda servem como um ponto de partida para a compreensão do tema.

2. Interagir
• Orações.
• Meditações.
• Diálogos cotidianos com os Deuses.
• Conversar com outros keméticos para trocar experiências, dicas e recomendações.

   Tão importante quanto conhecer quem são os Netjeru, é buscar uma conexão com eles, de forma espontânea e sincera. Qualquer atividade serve para lhe aproximar dos Deuses, desde que feita com intenção e foco. As orações, meditações e afins podem ser elaboradas por você, ou adaptadas a partir de outras já existentes, encontradas na internet e em livros. O Kemetismo não é uma religião sólida e distante, mas um caminho vivo, que pode e deve ser incluído no seu dia a dia, pois os Deuses estão em tudo, sempre.
   Dessa forma, ter o hábito de interagir com Eles é essencial, mesmo que seja através de práticas simples e cotidianas, como ofertar um café pela manhã enquanto faz uma oração. Diariamente, se possível, tente realizar atividades em honra e/ou na presença dos Deuses que você sente afinidade, convidando-os em mente e espírito para que se façam presentes. Você pode conversar sempre que desejar com Eles, abra seu coração sem medo de julgamentos ou de rejeição. Com o tempo, conseguirá perceber os sinais e as respostas para suas conversas (que raramente são audíveis e explícitas como gostaríamos!).

3. Louvar
• Estabelecer um altar.
• Oferendas.
• Rituais.
• Celebração de festivais e datas comemorativas.

   Ainda que a interação possa se bastar no segundo pilar para uma parcela dos devotos, o culto devocional como era praticado pelos egípcios exige alguns passos a mais para sua realização - sendo elas a criação de um altar pessoal ou espaço sagrado para as oferendas e práticas, e ocasionais celebrações de festivais ou rituais mágicos.
   O estabelecimento de um altar é simples e não esconde muitos mistérios, podendo ser dentro de um armário, sobre uma cômoda, numa mesinha de canto, ou em um criado mudo. O importante é que seja em um local tranquilo onde você possa se sentir a vontade para seus momentos de conexão. Oferendas podem ser tão singelas quanto um copo de água gelada, pão ou alguns biscoitos, uma dança intuitiva, uma poesia ou desenho.
   Não há necessidade de celebrar todos os festivais e aniversários dos Deuses, mas é interessante observá-los sempre que possível, para reforçar seus laços e conexão. Assim como as oferendas, as celebrações não precisam ser complexas e elaboradas, basta que sejam feitas com sinceridade. Rituais são opcionais, e devem ser conduzidos apenas quando já houver certa familiaridade com o culto kemético e os Netjeru, portanto não os recomendo para quem ainda estiver "engatinhando".

   Para complementar as instruções, traduzo uma inscrição no Templo de Heru em Edfu (e encontrada no livro Eternal Egypt de Richard J. Reidy), que orienta os devotos dos Netjeru a serviço no templo:

"Ó profetas, sacerdotes wab sêniores, chefes dos mistérios, purificadores do Deus, todos que entram nos Deuses... Não iniciem erroneamente; não entrem quando impuros; não pronunciem falsidades em sua casa; não cobicem a propriedade (do seu templo); não contem mentiras; não recebam subornos; não discriminem entre um homem pobre e um rico; não adicionem ao peso (da balança) ou à corda de medidas, mas reduzam-nos; não adulterem o medidor de milho; não prejudiquem os requerimentos do Olho de Ra; não revelem o que viram em todos os mistérios dos templos... Cuidado, ademais, para não abrigarem um desejo ingrato no coração, pois vivem na abundância dos Deuses."

A conduzir pelo Caminho,
   Alannyë Daeris.

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