quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Epítetos de Nut, pt. 2

   Epítetos são títulos dados a divindades, que servem para representar certas faces específicas deles, e invocar determinadas características. Para saber mais, veja esse texto que trata sobre o assunto.
   Hoje, apresento uma lista de epítetos keméticos tradicionais conferidos a Nut traduzidos e adaptados para nossa língua. Podem ser usados em orações, rituais, meditações e em quaisquer situações que você queira evocar ou invocar esse aspecto de Nut que está retratado no epíteto escolhido.
   Essa lista é um complemento ao post anterior (veja aqui), e não contém todos os títulos associados com essa deusa, havendo muitos outros que podem ser encontrados, ou desenvolvidos na sua própria interação e culto a Nut. Agradeço à Shemsu W'ab Tanebet da Kemetic Orthodoxy pela tradução dos epítetos para o inglês com base no guia Lexikon der ägyptischen Götter und Götterbezeichnungen.

Epitetos Tradicionais


• A grandiosa no céu
• O céu
• O céu que carrega Ra
• Ela que se espalha sobre o céu
• Senhora do céu
• O céu daqueles que aparecem na Enéada
• Os dois grandes deuses do céu
• Rat no céu
• Senhora do céu
• O céu
• Ela que está elevada no horizonte
• A luminosa
• Ela que eleva o disco solar na manhã
• Ela que dá a luz ao disco solar
• Ela que ilumina Bigga
• Ela que eleva suas estrelas em sua circulação 
• Ela que dá a luz às estrelas como a grande unidora
• Ela que brilha para Ptah
• Ela que está mais acima de seus filhos que suas estrelas
• Ela que dá ar a aquele com a garganta seca
• Ela que dá a luz ao deus na água
• A poderosa na terra
• A regente da terra e do Duat 
• A mulher que se curva sobre a terra
• Ela que funda a terra com o que ela está criando
• Os grandiosos do Duat
• A mestra do Duat
• A mestra do Duat secreto
• A regente da terra e do Duat
• A esplêndida no nome de Nit
• Ela que está dentre o primeiro nome
• A chefe no nome de Dendera
• A chefe de Abydos
• A grandiosa dentre Hwt-Snit
• Ela que pare a luz (Wesir) em Thebas
• A mãe de Deus na casa de ébano
• A mãe dos Deuses em Ssn
• Senhora de Philae
• Chefe de Philae
• Senhora de Kom Ombo
• A ninhada de Heliópolis
• Mestra de Philae
• Ela que está dentre Abydos
• Ela que está dentre Armant
• Ela que está dentre Edfu
• Ela que está dentre Coptos
• Chefe do trono de Heru (Edfu)
• Chefe de Edfu
• Chefe de Bhdt do sul (Edfu)
• Chefe de Bigga
• Chefe de Dendera
• Chefe de Mendes
• Chefe da casa dos dois...
• Ela cujo trono está na casa do princípio (Philae)
• Ela que ilumina Bigga
• Ela que resgata Aset em Abydos
• A altiva em Busíris
• Ela que cria o rei do Alto e Baixo Egito no templo do grande Ipet
• A senhora das duas terras
• A mestra das duas terras
• A mestra das margens das terras da cesta
• A regente das duas margens (Egito)
• A regente das duas margens de Heru
• A regente das duas terras
• Ela que funda ambos os santuários com seus filhos
• A Líbia no deserto oeste do mar da vida
• Ipet no templo de Ipet
• Ela que envolve protetivamente a capela da criança
• O Olho de Ra em Iat-dit (Templo de Aset em Dendera)
• Ela que cria a consorte do rei na casa da purificação
• Ela que cria a proteção de seu filho na casa de Nut
• A grandiosa que está na casa inferior
• Ela que pare seu filho no grande santuário
• Ela que pare a luz dentro do templo Opet
• A Senhora do destino e fortuna no grande trono
• A grande mestra na casa de nascimento
• A mestra de Per Ankh
• A mestra de Per Nefer
• Ela que está na Per Ankh (Casa da Vida)
• Ela que está na Per Nefer (Casa da Beleza/Mumificação)
• Ela que está dentre o templo de Sethos I
• Ela que está dentre a casa de Henu
• Chefe da casa de Henu
• Chefe do templo de Khnum
• Chefe da casa do falcão (Kom Ombo)
• Chefe da casa de nascimento
• Chefe da casa de nascimento de Nut
• Chefe da casa dos nobres
• Chefe de Maa-Hr
• Chefe de Hwt-krht (santuário no 8º nome do Baixo Egito)
• Chefe do santuário Shetit
• A filha de Ra em Iat-dit
• Ela que faz seu filho Wesir estar são e salvo na casa do príncipe
• A esplêndida e poderosa na casa da forma (templo ou recinto em Kom Ombo)
• A esplêndida e poderosa na casa de sua criação
• A esplêndida na casa da esplêndida
• A esplêndida no local de nascimento
• Ela que eleva o rei dentro do templo de Amun (Opet) no trono de seu pai Amun
• Ela que constrói o local de nascimento
• Ela que está dentre água pura (Gebel El Sisila)
• Mestra do Oeste
• Mestra do Oeste divino
• Mestra das oferendas no Oeste
• Mestra do deserto no Oeste
• Regente das 4 direções nas duas terras
• Chefe do Oeste
• Chefe das montanhas do oeste
• Deserto do Oeste
• Ela que está dentre a Necrópolis
• Os senhores da Necrópolis
• A mestra da Necrópolis
• Ela que causa a proteção da Casa
• Ela com muitos nomes em cidades e nomes
• Ela que dá a luz aos seus filhos dentre o Egito para que sejam reis
• A mestra do deserto no Oeste
• A mestra de todas as terras
• A mestra de ambas as montanhas
• Ela que está dentre a colina
• Ela que cria cidades e nomes para seu Ka
• Ela que funda as margens com seus filhos
• A Deusa hipopótamo
• Ipet a Grande
• A vaca
• A porca ou hipopótamo fêmea
• A hipopótamo fêmea do tesoureiro
• A porca que come seus porquinhos
• A baiacu/peixe-balão (Tetrodon fahaka)
• O sicômoro
• O grande sicômoro
• A primeva do princípio
• A mãe primeva esplêndida
• Ela que cria as deusas
• Ela que cria o rei do Alto e Baixo Egito
• A Mãe
• A Mãe da água
• A Mãe das mães
• A Mãe dos poderes divinos
• Ela que dá a luz ao disco solar
• Ela que dá a luz à Enéada
• Ela que dá a luz ao rei
• Ela que dá a luz a Deus
• Ela que dá a luz aos Deuses
• Ela que dá a luz a todos os Deuses
• A mestra que dá a luz aos Deuses
• Ela que dá a luz aos seus filhos para povoar Geb
• Ela que começou o parimento
• Ela que funda a terra com o que ela cria
• A mãe
• A perfeita mãe
• A perfeita mãe da Enéada
• Ela que é forte no corpo de sua mãe Tefnut antes de nascer
• Ela com prole esplêndida
• Ela com chifre amplo
• Ela com cabelo longo
• Ela cuja boca lança brasas nos inimigos
• Ela que estende seus braços
• Senhora do seio
• Ela com face perfeita
• Ela com seios transbordantes
• Ela com a mecha de cabelo
• Ela com seios pendentes
• Ela com altos chifres
• Ela com alto tom em Busíris
• A Cobra de Ra
• A Cobra
• A Cobra de seu Pai
• A esplêndida
• Ela que ama dar vida
• Ela que dá seus braços ao reverendo
• Ela que dá água a todos que tem sede
• Ela que mantém os Deuses vivos
• Ela a quem os Deuses suplicam
• A grande guia
• Ela que esconde seu herdeiro nos braços
• Ela que esconde o misterioso, que não se deve saber
• Ela que cria sua proteção
• Ela que causa a proteção da casa
• Ela que causa a proteção daquele que emerge de Aset
• Ela que causa a proteção de seu filho Wesir
• Ela que protege seu filho Wesir
• Proteção do filho de Wesir
• A protetora
• Ela que protege seu filho
• Ela que protege o corpo na manhã
• Ela que dissipa a fúria
• O celeiro
• Ela que faz a criança estar sã e salva
• Senhora do Júbilo
• Ela que se une com Deuses e Deusas
• Ela que faz as coisas se elevarem
• Ela que acende a tocha
• Mestra das oferendas
• Em frente dela o disco solar ascende
• Regente dos Deuses
• A rainha regente
• A regente
• A perfeita regente
• Regente das duas terras
• A útil para seu filho
• Ela que dá a luz aos seus filhos
• Ela que dá a luz aos filhos-Ra
• Mãe do rei
• Mãe do Deus de Wennefer o Justificado
• Mãe de Deus dos Deuses e Deusas
• Mãe dos deuses dos 5 deuses
• Mãe de Deus dos que se unem com a vida
• Mãe dos Deuses de grandes poderes
• Mãe dos Deuses
• Mãe do regente
• Mãe dos regentes
• Ela que dá a luz a Ra
• Ela que dá a luz a Ra diariamente
• Ela cujo filho aparece como criança esplêndida
• Filha de Ra
• Ela que cria seus filhos para popularem Geb
• Mãe de Wennefer
• A perfeita mãe de Werethekau
• A perfeita mãe de quem tem o focinho vivo
• A perfeita mãe da mãe do Deus do falcão de ouro
• A perfeita mãe da mestra de Rekhyt
• A perfeita mãe do que tem o signo Mekes
• A perfeita mãe do regente
• A perfeita mãe do príncipe com a coroa branca
• Mãe do brilhante
• Mãe do regente
• Mãe de Atum
• Esposa do príncipe
• A Esposa de Geb
• A grandiosa
• A grande e esplêndida
• A muito grandiosa
• A bela esplêndida
• A única
• Não há segundo como ela
• A grande misteriosa
• A dourada dos Deuses
• Ela com grande terror nos corações
• Ela com grande terror dentre os Deuses
• A mestra da Fúria
• Senhora dos Rekhyt
• Os Deuses que abrangem os Rekhyt
• A Mestra
• A Mestra da Enéada
• A perfeita Mestra
• A Mestra dos Deuses
• A Mestra de todos os Deuses
• A Mestra de todos os Deuses e Deusas
• A Chefe dos Deuses
• A esplêndida de Geb
• Ela que está em Atum 
• Ela que causa a proteção daquele emergindo de Aset
• O aroma divino de Khentiamentiu
• O Céu que carrega Ra
• A ama de leite do regente no trono de seu pai
• A ama de leite da mestra dos Rekhyt
• Ela que brilha para Ptah
• A ama de leite
• A ama de leite dos Kas 
• A ama de leite da Enéada
• A ama de leite de grandes e poderosas imagens
• Ela que julga bem
• Ela que julga perfeitamente
• A mestra do Salão do Julgamento
• A Tumba
• O Funeral
• O sarcófago
• O caixão
• Ela que esconde os mortos que não tem uma tumba
• Ela que calcula o tempo
• Ela que protege o corpo na manhã
• Ela que se torna na noite
• Amaunet
• A grande Nekhbet
• Rat
• Rat no céu
• A grande Heqat
• A Senhora do destino
• A Senhora do destino e saúde em seu grande trono
• A cama
• A filha
• Ela de St-pt

A observar o corpo da Perfeita Mãe se estendendo,
   Alannyë Daeris 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Método Oracular da Paquera (Crush), para Romances em Potencial

   Por ser um tema extremamente rotineiro em consultas oraculares, tenho essa estrutura de análise para interesses românticos e "crushes" mais ou menos estabelecida há algum tempo, e venho aperfeiçoando-a desde então conforme minhas experiências de leituras para potenciais paqueras. A tirada serve tanto para quem já tem algum contato com o crush, incluindo ter trocado carícias, quanto para quem ainda não tomou nenhuma iniciativa e permanece distante. 
   Esse método se destina a averiguar se vale a pena se aproximar de uma pessoa em específico para tentar algum tipo de relação, seja ela casual ou séria. Por isso mesmo, a avaliação inicial se ocupa de identificar o que cada um deseja para sua vida amorosa, se há interesse por parte dela, e outras posições para ajudar a esclarecer se a pessoa em questão seria um bom partido ou se está mais para uma furada ou, quem sabe, para uma amizade colorida.
   Para essa tirada, são sugeridos pares de cartas/peças em cada uma das posições, para obter maior aprofundamento e para que cada lâmina responda a um dos dois questionamentos contidos nas casas. Qualquer ferramenta oracular de sua preferência pode ser usada para a leitura, desde que possam responder adequadamente às questões propostas. Também podem ser combinados oráculos diferentes, de acordo com a posição e a pergunta.

O Método


1. Você. Seu campo amoroso, o que você busca para sua vida afetiva.
2. A pessoa. Seu interesse romântico, e o que ele busca no momento.
3. Interesse. Ele(a) tem interesse em você? O que acha, que opinião possui a seu respeito.
4. Tendências. Quais as perspectivas para uma relação amorosa? Há compatibilidade?
5. Desafios. Há obstáculos para firmar algo como você espera? Quais são eles?
6. Viabilidade. Vale a pena investir nessa paquera? Pode dar certo conforme suas expectativas de romance?
7. Conselho. Como agir quanto à essa pessoa? Orientação final.

A revelar o melhor ângulo para o disparo da flecha,
   Alannyë Daeris

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

O Renascimento da Alma e o Pós-Vida no Kemetismo


Tomb of Ramesses VI, 1137 B
C
   Existe uma grande diferença na visão das religiões que creem na reencarnação, e as religiões cuja visão de pós-vida é a de renascimento, como é o caso das crenças religiosas do Egito Antigo. De maneira largamente resumida, a reencarnação envolve o retorno do espírito para a Terra, em um novo corpo que passará por experiências particulares à sua nova jornada, enquanto o renascimento ocorre somente uma vez - a alma renasce para a eternidade, e não volta a "encarnar" para viver como um outro humano.
   Ou seja, a imortalidade na visão egípcia não consistia em retornar várias vezes para a Terra, e sim transicionar para uma vida eterna como um espírito luminoso, um Akh (plural Akhu), ao lado dos Deuses, no Campo de Juncos. Já exploramos o tema nesse texto sobre o Duat e o Sekhet-Aaru, que recomendo a leitura para quem gostaria de maiores informações sobre esses planos espirituais e o processo do desencarne na religiosidade kemética.
   Inicialmente, o pensamento religioso egípcio os levava a acreditar que assim como Ra renasce diariamente nos céus, seu corpo físico (o khat) acordaria novamente após completar a jornada pelo submundo, e essa noção ficou fortemente inserida no imaginário popular como se todos os egípcios achassem que as múmias reviveriam e se levantariam de suas tumbas em dado momento. Entretanto, com o passar do tempo, os antigos egípcios puderam observar que os corpos dos falecidos não despertavam, somente se decompunham mais e mais, e assim compreenderam que os restos dos falecidos serviam apenas como um receptáculo para seu espírito, que não necessariamente seria reanimado.
   Sendo assim, é importante discernir que em meu entendimento tendo como base diversas fontes de pesquisa, o Kemetismo enquanto religião não se concilia tradicionalmente com questões relacionadas a reencarnações, vidas passadas, registros akáshicos ou crenças afins, que pressupõem a reencarnação do espírito, ou essa possibilidade da alma se destacar do corpo no desencarne e posteriormente habitar um novo receptáculo material.
   Os Akhu podem frequentar a Terra eternamente após serem julgados dignos no Salão de Ma'at e renascerem nos Campos de Juncos, e além de visitar os locais que desejarem na superfície, podem também interferir nos assuntos mundanos, e se comunicar com seres humanos, Netjeru e outras entidades. Entretanto, não passarão por uma nova vida no plano material (nem como humanos, nem como animais ou outras manifestações quaisquer!). Isso não significa que a crença na reencarnação seja completamente incompatível em uma perspectiva moderna, mas que não há um embasamento para isso em mitos e crenças egípcias originais.
   Os conceitos chave para compreender o além numa perspectiva kemética são "renascimento" e "transfiguração", ideias complementares que abordam o aspecto biomórfico e espacial do pós vida, respectivamente. O embalsamento, por exemplo, era uma prática funerária que se destinava não apenas a preservar os restos mortais, mas principalmente a transfigurar o corpo do falecido em um corpo "preenchido de magia" (Assmann 1969, p. 196), a múmia tornando-se assim um receptáculo sagrado para o espírito luminoso (Akh) que ascende aos céus.
   Há outras atribuições simbólicas que ocorrem na transição da vida para a morte, com o despertar para a vida eterna estando fortemente interligado com a ideia da ascensão para o céu, que no Egito era concebido como uma divindade feminina, Nut, a manifestação da Grande Mãe. Um aspecto central que ressalta essa crença é o imaginário popular egípcio em que os falecidos eram tidos como filhos da Mãe-de-todos - uma relação que só podia ser alcançada na morte, quando o falecido se integrava à Deusa, tornando-se uma estrela no corpo de Nut, o céu noturno. Sendo assim, o sarcófago que envolve o falecido é simbólico do útero.
   O conceito de renascimento permanece muito visível, como em inscrições nos sarcófagos em que Nut diz ao falecido: "Eu te nutrirei/carregarei novamente, rejuvenescido" (veja mais exemplos em Rusch, 1922). Em um desses textos, ela diz: "Eu nunca te darei à luz" (Schott 1965, 81-87), indicando explicitamente que a intenção não era o retorno da alma para a vida material, mas a permanência em Nut, o céu, como um espírito transfigurado e luminoso.
   De acordo com as crenças keméticas de corpo e alma (que você pode ler em detalhes aqui), o processo de morte gera uma dissociação dos elementos essenciais que compõem o ser humano, dentre eles o Ka e o Ba, que são espíritos nutridores de vida, o Khat (corpo físico) passa a se deteriorar, a sombra deixa de estar atrelada ao corpo e precisa ser recuperada, o Ren (nome) fica fragilizado e dependente das inscrições físicas, dentre outros conceitos que precisavam ser reunidos magicamente ao falecido por meio do ritual da Abertura da Boca na entrada da tumba. Após desperto, o Akh (espírito luminoso transfigurado) tem liberdade de transitar no plano material e no plano espiritual, mas não retorna à vida em outro corpo, permanece sendo um espírito.
   Alguns elementos constitutivos do indivíduo sobrevivem após a transfiguração, e são cinco: o nome (Ren), a sombra (Sheut), a magia (Heka), e os já referidos Ka (força vital) e Ba (personalidade/caráter). As Máximas de Any sugerem que se deve "satisfazer o Akh, fazer o que ele deseja, e se abster de abominações para ele, para que esteja livre de seus males", ou seja, os Ancestrais podem interferir como quiserem no plano material, e possuem meios de julgar as atitudes dos vivos. Muitas cartas foram recuperadas em tumbas pelos arqueólogos, que atestam os pedidos de intervenção de pessoas para seus Akhu, pois consideravam que eles estavam mais próximos dos Deuses e tinham poder de atuação nos assuntos mundanos. Ou seja, o Akh permanece no plano divino, e somente retorna à terra na forma de espírito, nunca encarnado em outro indivíduo.
   A rememoração e as posteriores celebrações, festivais, rituais e banquetes realizados em nome dos Ancestrais em diversos períodos do ano, garantiam um pós-vida de sucesso para os falecidos, e as bênçãos de prosperidade na existência material dos que permanecem vivos. 

Referências
• The Egyptian Ways of Death - Lynn Meskell em Archeological Papers of the American Anthropological Association 10 (1), 27-40, 2001
• Death and Initiation of Ancient Egypt - Jan Assmann em Religion and Philosophy in Ancient Egypt, Yale Egyptological Studies 3, 1989, S. 135-159

A contemplar o anoitecer,
   Alannyë Daeris

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Resenha: Aradia, o Evangelho das Bruxas - Charles G. Leland

   Sinopse: Em Aradia: O Evangelho das Bruxas, Charles Godfrey Leland nos presenteia com o que podemos chamar de capítulo inicial de uma coletânea de cerimônias, feitiços e encantamentos. Nele, o autor traz a história de Aradia, bruxa enviada à Terra para propagar os ensinamentos da Bruxaria. No decorrer do livro, também são descritos os encantamentos, conjurações e invocações, no original em italiano, ensinados por sua mãe Diana, deusa das bruxas. Leland foi uma figura marcante para a história da Bruxaria. Poucos dias após o seu nascimento, uma velha ama holandesa levou-o ao sótão de sua casa e realizou um ritual. Ela colocou seu seio sobre uma Bíblia, uma chave e uma faca e, então, pôs velas acesas, dinheiro e um prato com sal sobre a cabeça. O propósito do rito era que o menino vencesse na vida e tivesse sorte para ser um escolástico e um sábio. Quando ainda criança, foi presenteado com histórias e contos de fantasmas, bruxas e fadas, o que o deixou fascinado pelo folclore e pela magia. Sua família vivia em uma casa que possuía empregados e, com um deles ― uma imigrante holandesa ―, ele aprendeu a respeito de fadas, e com outro ― uma negra que trabalhava na cozinha ―, acerca de vodu. Mudando-se para a Inglaterra, Leland deu início aos seus estudos a respeito dos ciganos ingleses, pois era particularmente interessado no folclore deles. Com o decorrer do tempo, ganhou a confiança do 'Rei dos Ciganos' na Inglaterra, Matty Cooper, com quem aprendeu a falar o romani, a língua dos ciganos, embora isso tenha ocorrido muitos anos antes de o povo cigano tê-lo aceito como um deles. Durante esse período, escreveu seus dois livros clássicos a respeito dos ciganos, sendo um deles Bruxaria Cigana, lançado no Brasil pela Madras Editora, e estabeleceu-se como a autoridade máxima nesse assunto. O leitor certamente irá se encantar com a bela história narrada em Aradia: O Evangelho das Bruxas. Boa leitura!

Ficha Técnica


   Autor: Charles Godfrey Leland
   Ano: 1889, 2004 (1° Ed. brasileira)
   Editora: Madras
   Páginas: 120

   Aradia, o Evangelho das Bruxas, é um compilado de mitos e encantamentos italianos reunidos pelo folclorista Charles G. Leland, que revelam a antiga tradição de Bruxaria que foi preservada secretamente no norte da Itália. É uma obra extremamente conhecida por seu impacto e relevância no movimento esotérico moderno, tendo sido publicada antes do renascimento e reavivamento da Bruxaria como uma prática conhecida, responsável portanto pelo resgate de saberes folclóricos e tradicionais sobre o Ofício das Bruxas.
   Histórias e mitos que foram transmitidos a Leland por informantes italianas preenchem as páginas, em sua linguagem italiana original e na tradução para o português. Pode-se observar nas entrelinhas dos textos algumas sugestões de encantamentos antigos, práticas mágicas tradicionais italianas, e todo um imaginário simbólico que se moldou através das influências de diversas tradições e culturas na antiguidade. Referências são traçadas pelo próprio Leland, que encontra paralelos em outras obras antigas.
   O mito de Aradia e os conceitos em torno dessa figura, principalmente focados na deusa Diana e em seu consorte Dianus Lucifero é instigante, delineado com auxílio de uma linguagem poética, vívida e com detalhes que incitam a curiosidade e a imaginação criativa. Apesar do título levar alguns a entenderem que seja um livro de instruções ou orientações sobre a prática de magia, o Evangelho das Bruxas se dedica a contar o folclore por trás das tradições de Bruxaria tradicional (Stregheria) que sobreviviam secretamente nas áreas rurais da Itália no século XIX.
   Considero esse livro uma leitura interessante e quiçá essencial para praticantes de Bruxaria, pois se trata de uma pesquisa antropológica e histórica que por meio da coleta de contos antigos e histórias nos ilumina a respeito da continuidade de determinadas práticas mágicas mesmo em períodos de censura, perseguição e ignorância. Alguns questionamentos são levantados sobre a veracidade das fontes e dos relatos obtidos pelo folclorista, mas pesquisadores da área consideram genuínos os relatos angariados por Leland, ainda que envoltos em mistérios.
   A essência da Bruxaria como uma arte dos indomados, uma ferramenta de necessitados e oprimidos é encontrada em sua plenitude nos versos rimados sobre a Deusa das Bruxas, que incita a resistência contra a tirania e a opressão, marcantes do contexto histórico em que a tradição se originou. Aradia é uma figura messiânica que representa os desfavorecidos em sua luta constante, e vem para nos ensinar os caminhos e os sortilégios de amor e liberdade da Grande Deusa.
   
A fazer dos limões um feitiço,
   Alannyë Daeris