terça-feira, 14 de maio de 2024

Calendários Egípcios e os Dias de Sorte e Azar

   Antes de existirem os horóscopos diários que se popularizaram profusamente nos últimos séculos, os antigos egípcios acreditavam na fortuna ou infortúnio dos dias, e elaboravam papiros para instruir sobre os prognósticos diais. O calendário egípcio era dividido em três estações de quatro meses, cada uma com duração de 30 dias, o que resulta no total de 360 dias. As estações correspondiam ao ciclo do Nilo: Inundação (akhet), quando o rio transbordava e cobria as terras cultiváveis com água; Emergência (proyet), quando a água recedia e expunha as terras fertilizadas próprias para o plantio; e o Verão (shomu), o período da colheita e da estiagem.
   Cinco dias denominados epagomenais eram acrescidos entre o final de um ano e o início do próximo, aproximando o calendário civil egípcio da translação da Terra. Esses dias extras chamados de "Hryw rnpt" (Heryu ronpet) possuem profundas conotações mitológicas, sendo considerados "não-dias" por estarem fora do calendário dos meses. Dessa maneira, quando nos referimos ao calendário egípcio, podemos considerá-lo equivalente ao gregoriano do qual fazemos uso, em sua totalidade de 365 dias.
   Todos os dias contidos no calendário egípcio eram definidos como dias de sorte ou azar, regidos por dois conceitos de eternidade: Djet, o tempo linear que conhecemos, que segue um curso direto e imutável, se torna memória; e Neheh, o tempo cíclico mutável que se renova e se repete dia após dia, como o nascer do Sol, que ocorre diariamente. A classificação dada pelos egípcios podia indicar quais datas são favoráveis e desfavoráveis como uma característica geral da data - um dia "bom" ou um dia "ruim" -, ou dividir os dias em seus períodos de manhã, tarde e noite, para que cada um seja definido como favorável ou desfavorável.
   Alguns dos registros arqueológicos que contém calendários são o Papiro Sallier n°.IV, Calendário Cairo, e o Papiro Budge, todos sob a posse do Museu Britânico, que armazena também outros fragmentos com trechos de calendários. Esses papiros não são unânimes em seu conteúdo, e além de variarem no modo de classificar os dias, também podem difererir em relação a quais dias são bons ou ruins, pois são oriundos de períodos, localidades e dinastias diferentes. A homogeneidade de percepções e crenças não é uma característica própria da mitologia egípcia, de qualquer forma.
   No papiro conhecido como Calendário Cairo, cujo título em egípcio se traduz como "Uma introdução ao início da Sempiternidade (Neheh) e o fim da Eternidade (Djet)", há seis categorias de sorte ou azar: favorável, parcialmente favorável, muito favorável, adverso, parcialmente adverso, muito adverso. A maioria dos dias são muito favoráveis ou muito adversos, mas há datas parciais ocasionais. Os temas mitológicos que fornecem uma correspondência boa ou ruim para as datas não contam uma história linear, diversas divindades menores e hoje obscuras são citadas, e os temas podem abranger alguns poucos dias e então acabarem abruptamente, sendo substituídos por outras cenas e referências dos mitos não-relacionadas à anterior.
   Os dias positivos estão grafados em tinta preta, e os dias desfavoráveis em tinta vermelha. Certos papiros, como o Sallier, incluem textos explicativos indicando qual evento mitológico atribui classificação boa ou ruim para o dia. Concomitante a isso, fornecem uma orientação, como por exemplo: "não queime incenso nesse dia", "não saia de casa nessa data". É recorrente que sejam dadas previsões para os nascidos em determinados dias, como: "quem nascer hoje morrerá de velhice", ou "quem nascer hoje morrerá por uma serpente". Você pode conferir um calendário com suas orientações majoritariamente preservadas e traduzidas no livro Ancient Egyptian Magic, do egiptólogo Bob Brier.
   Ainda que os dias epagomenais não sejam sempre mencionados nos papiros, sabe-se por numerosas fontes que eram datas conturbadas e temidas pelas influências nocivas. A título de curiosidade, são referidos no Calendário Cairo, acompanhados de encantamentos que deveriam ser proferidos em cada um dos cinco dias. Os dias epagomenais possuíam nomes especiais que conferiam bênçãos aos que tinham conhecimento deles, e existiam inúmeras fórmulas e encantamentos especiais destinados para a proteção nessas datas, durante as quais, nenhum trabalho era realizado.

Referências

- A Note on P. Kellis I 82 (1996) by Hoogendijk, F. A. J. Zeitschrift Für Papyrologie Und Epigraphik, 113, 216–218.
- Ancient Egyptian Magic (1981) by Bob Brier.
- Calendars: real and ideal (1994) by Anthony Spalinger. In Essays in Egyptology in honor of Hans Goedicke, 297-308.
- Some Observations on the Egyptian Calendars of Lucky and Unlucky Days (1926) by Warren R. Dawson. The Journal of Egyptian Archaeology, 12(1), 260–264.
Fonte da imagem: Papyrus Sallier IV (EA10184,1). Museu Britânico.

A honrar a Ele Que Determina o Tempo,
   Alannyë Daeris

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