Ainda que não tenham restado instruções escritas de fato para explicar como era esse procedimento na religião kemética (muito provavelmente não havia a criação de um círculo da forma como fazemos hoje), sabemos que há quatro Netjeru que governam os quadrantes, que foram ganhando importância conforme a civilização egípcia avançava no tempo e elaborava seus costumes. Esses Netjeru, considerados filhos de Hórus (Heru-Wer, O Velho), não só guardavam os quadrantes do céu, como também davam forma aos vasos canópicos usados para guardar os órgãos dos corpos mumificados a partir do Império Novo. São eles:
• Tuameutev ou Duamutef - Leste - cabeça de chacal.
• Amset ou Imset - Sul - cabeça de humano.
• Qebsenuv ou Kebsenuf - Oeste - cabeça de falcão.
• Hapi - Norte - cabeça de babuíno.
Os pontos cardeais, além da sua correlação com essas divindades filhas de Heru, também estão sob a tutoria de uma Netjeret. Num traçamento moderno de círculo mágico kemético, a evocação pode ou não ser feita com a menção dessas divindades, à discrição do praticante. São elas:
• Leste - Neith.
• Sul - Aset (Ísis).
• Oeste - Serket.
• Norte - Nebt-Het (Néftis).
Portanto, apesar de não sabermos com exatidão como acontecia de fato uma operação mágica no seio dos templos keméticos e em outras situações de prática de magia popular, podemos associar com outras tradições ocultas, modernas e antigas, para recriar essa prática dentro de um contexto mágico, neopagão ou pagão reconstrucionista de fato.
Uma das coisas sobre as quais sabemos um bocado devido aos registros artísticos e decorativos amplamente usados pelos egípcios, são as posições de poder - também conhecidas como henu. Eu já fiz um texto falando mais sobre elas (clique aqui para conferir), e recomendo que leia para entender o que será usado na estrutura ritualistica que descreverei mais abaixo. De qualquer maneira, o henu é uma posição que representa um sentimento, uma intenção ou um momento específico da atividade. O ideal é que sejam usados nos momentos apropriados, durante toda a cerimônia.
A purificação era muito importante dentro da perspectiva kémetica, muito mais quando se trata do aspecto religioso e mágico. Portanto, antes do traçamento de um círculo, é importante que algum ato purificador tenha sido realizado no ambiente. O elemento utilizado pelos sacerdotes egípcios era o natron, porém esse material em seu estado natural não é de fácil acesso. Aqui, julgo a adaptação essencial, e também sua contextualização dentro de um culto moderno - clique aqui para ler o texto já publicado sobre o Natron.
A melhor opção é consagrar seu natron de purificação, seja ele uma recriação ou adaptação, e manter um estoque pronto para o uso rotineiro - você pode até usar um borrifador para isso. O incenso também era amplamente empregado nos templos, e pode complementar a purificação, se assim você desejar. É adequado para atividades mais elaboradas, mas no culto cotidiano, não se faz tão necessário. Consideram-se apropriados os incensos naturais de ervas ou resina, ou aromatizadores com essências e óleos aromáticos. Mas na falta destes, não há problema em usar incensos normais de vareta, desde que sejam artesanais e de boa qualidade, não os indianos de carvão que são facilmente encontrados à venda.
É importante também que falemos sobre o fechamento do círculo, e o encerramento de atividades mágicas num contexto kemético. Diferente de como acontece em outras tradições, usava-se uma vassoura especial para varrer o ar, enquanto se saía sem dar as costas para o altar, de ré. A ideia era purificar os vestígios de tudo que foi feito, dispersando as energias que foram movimentadas ali - novamente, a importância da purificação. Você pode ter uma vassoura mágica grande, pequena, ou usar a visualização para replicar essa tradição de varrer o ambiente. Eu às vezes uso as mãos, num movimento que para mim ressoa com essa limpeza desejada.
Outra informação muito essencial é o ato de "remover os pés" (removing the foot) no encerramento de rituais. Os egípcios consideravam um desrespeito virar as costas para o divino, portanto, ao acabar um rito, você deve dar quatro passos para trás, se afastando do altar sem desviar o olhar. Só então a atividade está encerrada, e aí você pode apagar velas, desmontar ou "fechar" o altar.
Estrutura Básica Ritualística Kemética
A estrutura sugerida abaixo é adequada para o início de qualquer ritual kemético. Pode ser adaptada e/ou reduzida conforme sua necessidade, mas tenha familiaridade com todo o processo antes de alterar.
Misture o sal e a água na tigela, em sentido anti-horário. Enquanto mistura, fale:
"Esse é meu natron de purificação,
Meu natron é o natron dos Netjeru"
Dê três voltas em sentido anti-horário em torno do ambiente, aspergindo com o natron. Acenda o incenso, e dê mais três voltas em sentido anti-horário, com ele em sua mão dominante.
Agora, é hora do traçamento. Fique no centro do círculo e aponte com a mão direita para o leste, dizendo:
Anet-hra.k Tuamutev. Anet-hra.k Neith.
(Honrado seja, Tuamutev. Honrada seja, Neith.)
Aponte para o sul, dizendo:
Anet-hra.k Amset. Anet-hra.k Aset.
(Honrado seja, Amset. Honrada seja, Aset.)
Aponte para o oeste, dizendo:
Anet-hra.k Qebsenuv. Anet-hra.k Serket.
(Honrado seja, Qebsenuv. Honrada seja, Serket.)
Aponte para o norte, dizendo:
Anet-hra.k Hapi. Anet-hra.k Nebt-Het
(Honrado seja, Hapi. Honrada seja, Néftis.)
Convide quaisquer divindades ou outras entidades com as quais queira trabalhar para se manifestarem dentro do círculo. A partir daqui, prossiga com suas atividades como quiser.
Quando for a hora de encerrar, faça o henu de reverência. Levante-se, pegue a vassoura (ou uma representação, ou visualize) e varra o ar, enquanto dá quatro passos para trás, sem desviar o olhar nem virar as costas para o altar. Está feito. Só então volte e apague as velas, incensos e organize seu altar.
Mais informações sobre círculos na cultura kémetica aqui.
Algumas informações do livro The Ancient Egyptian Prayerbook.
Algumas informações do livro Invoking The Egyptian Gods.
A tornar puro o santuário dos Netjeru,
Alannyë Daeris.
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