sábado, 2 de maio de 2020

Genius Loci - Os Espíritos da Terra, Guardiões dos Lugares

Afresco romano do Templo de Isis, em Pompeia, feito antes de 79 d.C. Está atualmente no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles. Fonte da imagem, editada pela autora.
Afresco na Casa do Centenário em Pompeia,
acima da lararia, circa 50 d.C. Ao fundo, o
deus Baco ao lado do Monte Vesúvio; abaixo,
a cobra que representa o Genius Loci se
aproximando do altar para trazer sua
prosperidade e abundância. Fonte.
   Na tradição romana clássica, um Genius Loci (plural Genii locorum) é um espírito protetor, atrelado a algum lugar. Esse conceito parte de um princípio animista, se referindo à terra e aos espíritos do lugar como o próprio espírito da terra; no animismo, há a crença de que tudo possui alma, então o Genius Loci é essa alma associada com lugares e fenômenos geográficos.
   Por costume, esse espírito era representado em estátuas e pinturas como uma pessoa segurando uma cornucópia, uma tigela para libações (patera), ou uma cobra, como na imagem ao lado. A cobra tinha uma grande importância na representação de genii, e quase sempre estava presente. A simbologia vem do fato que a serpente é um animal da terra, que rasteja; representava a prosperidade e a abundância para os romanos, e também indicava o intelecto da casa, ou do dono do lar. Em casas de casais, duas cobras eram pintadas no altar. Em Pompeia, há um afresco que mostra um homem profanando um local sagrado, e duas cobras o atacando - ou seja, a cobra era capaz de proteger a pureza dos seus espaços sagrados. Locais importantes como vulcões ou rios também possuíam seus próprios genii locorum. Para os romanos, era muito importante agradecer apropriadamente os genii locorum por bençãos concedidas, e por sua existência.

Afresco romano no lararium da casa de Iulius
Polybius em Pompeia. As duas figuras ao lado
são os Lares, ao centro está o Genius loci, e
a cobra-genius se enrolando no altar também
indica a prosperidade e o intelecto na casa.
Fonte.
   As tropas provinciais de Roma expandiram a ideia de genii representando o Estado em si; por exemplo, na Britânia (província que ficou sob domínio dos romanos de 43 - 410 d.C), foram encontrados altares para os genii de Roma, Roma Aeterna (Eterna), Britannia, e além disso, haviam genii específicos para cada legião, coorte, ala e centúria do exército romano. Não parando por aí, eram erigidos altares também para o praetorum (tenda do general em um castrum, castellum ou acampamento militar) e para os vexillationes, destacamentos temporários de pessoal para lidar com situações de emergência.
   Sob a liderança de Augustus, foi criado um culto doméstico ao Genius do próprio imperador, que era realizado juntamente à nume (numen) da casa, e divindades cultuadas pelo grupo familiar. Nesse contexto, surge o culto imperial, no qual o povo prestava culto ao Genius do imperador em vez da pessoa em si. As dedicatórias inscritas em homenagem aos genii locorum não estava resumida somente ao exército e ao imperador, pois na área que correspondeu à Gália Cisalpina sob o domínio do império, foram encontrados numerosos altares em nome dos genii de autoridades, e pessoas respeitadas num sentido geral.
Genius romano desconhecido,
encontrado em Boscoreale, 
próximo a Pompeia, do
primeiro século a.C. Fonte.
   Em adição ao "genius principis" do imperador, haviam altares aos genii de patronos de homens livres, oficiais, camponeses, donos de escravos, membros de guildas, vilas, outras divindades, parentes e amigos. Até mesmo casais podiam ter suas dedicatórias, e nesse caso, era cunhado "Para o Genius e Juno", sendo Juno o termo aplicado para um espírito feminino/de uma mulher.
   Por fim, sobrevivem da época do império centenas de dedicatórias e inscrições votivas ou sepulcrais, encontradas em praticamente toda a área do Império Romano. Portanto, é atestado que houve de fato um culto muito importante e popular cercando os genii. As frases principais eram abreviadas, como por exemplo:

GPR ou GENIOPR - genio populi Romani - Ao genius do povo Romano.
• GHL - genio huius loci - Ao genius do lugar, da casa, do ambiente.
• GDN - genio domini noster - Ao genius do nosso mestre.

   Muitas outras culturas possuíam a crença em espíritos da terra, relacionados com lugares, rios, montanhas, florestas ou aldeias, ainda que levem outros nomes e sejam vistos com diferenças de modo folclórico. Na mitologia nórdica, por exemplo, há os Landvættir, que são espíritos diretamente associados com a terra, e agem como guardiões, assim como o Genius Loci romano. Para os nórdicos - tanto na antiguidade quanto ainda nos dias de hoje em áreas na Islândia -, a prosperidade da terra depende dos Landvættir, portanto são tratados com imenso respeito e reverência. Estão geralmente ligados a rochedos ou pedregulhos grandes e bonitos. 
   No Japão, há os kami, que são espíritos ou fenômenos que são cultuados na religião de Shinto. Podem ser elementos de lugares naturais, forças da natureza, ou entidades que expressam as qualidades de locais, bem como espíritos de pessoas falecidas locais que eram veneradas.
   Em certas culturas, esses espíritos assumem qualidades faéricas. Na Escandinávia, há os hustomten, ou "gnomos da casa", que podem ser considerados um tipo de Genius Loci. Eles são noturnos, tímidos e medem menos de 1 metro, mas raramente são vistos, ainda que frequentemente sejam percebidos com os sentidos. Eles servem à fazenda, e não aos moradores dela, mas se forem bem tratados, podem fazer milagres muito benéficos, como curar os animais de enfermidades da noite para o dia, ou dobrar os resultados da colheita. Porém, podiam ser muito vingativos se desrespeitados, punindo severamente os camponeses com suas capacidades sobrenaturais. Ofertavam-lhes uma tigela de mingau de aveia, ou leite, biscoitos e manteiga, para expressar gratidão pelo seu esforço.
   Em um contexto moderno, o Genius Loci não necessariamente é um espírito guardião, mas pode ser considerado apenas o espírito do local, seja uma casa ou um local público, natural ou artificial. Muitas vezes é percebido apenas como a energia do ambiente, um conjunto de sensações associados com aquele espaço em particular. Pode ser um pouco complicado acessar os espíritos de certos locais e bairros, principalmente em áreas que foram muito modificadas pelo homem.
   Os genii locorum refletem as características mundanas dos lugares, então áreas perigosas, violentas ou com muita negatividade em geral, sempre resultarão em espiritos imprevisíveis e mais complicados de lidar. Mas o espírito está à mercê de mudar e evoluir com o tempo, especialmente para refletir mudanças que aconteceram no plano material. 

Conhecendo o Genius Loci do seu Lar


   Sim, a sua casa possui um Genius Loci, e você pode conhecer e trabalhar com esse espírito se quiser! Isso pode ser feito de várias maneiras, mas algumas ideias bem simples para se aproximar são:
• Oferte libações ou oferendas alimentícias ocasionalmente. Separe uma pequena quantia das refeições que você prepara em casa e deixe no altar para ele, por exemplo.
• Acenda uma vela branca ou verde e oferte para o Genius Loci. Chame por ele, e diga que quer honrá-lo e conhecê-lo.
• Faça uma oração sincera e agradeça a ele por sua existência - pode ser feito antes de refeições, ao limpar a casa, quando você estiver cuidando e fazendo a manutenção do seu lar.
• Medite com o espírito, e veja o que ele tem para lhe dizer.
• Comunique-se através de oráculos.
• Acenda incensos para honrá-lo.
• Crie uma representação artística do espírito e pendure em sua sala, cozinha, ou decore seu altar.
• Decore sua casa com objetos bonitos e simbólicos. Mantenha tudo limpo e organizado sempre que possível.
• Num futuro próximo, publicarei uma sugestão de ritual para evocação de genii locorum.

Duas representações artísticas do mesmo
altar em homenagem ao Genius Loci.
Encontrado na Britânia (atual Maryland
- Inglaterra), e data do século 2 ou 3 d.C.
A inscrição diz: "Ao Genius do lugar,
à Fortuna Portadora da Casa (Fortuna
Redux), à Roma Eterna, e ao Bom Destino,
Gaius  Cornelius Peregrinus, tribuna da
coorte, decurião de sua cidade natal de
Saldae na província de Mauretania
Caesariensis, de bom grado, de boa
vontade e merecidamente cumpriu seu
juramento. Que você viva muito, Volantius.
"
Fonte.
   Assim como era feito pelos romanos, você pode honrar o Genius Loci de sua casa com imagens que o representem em seu altar, oferendas honestas e orações, poemas ou canções. Você não precisa fazer um altar somente para o espírito (como é o caso do altar ao lado, dedicado para um Genius Loci), mas é interessante acrescentá-lo de alguma maneira no seu altar já existente para que também seja honrado. 
   Sempre que for purificar ou proteger sua casa de alguma maneira - especialmente com wards (barreiras energéticas), feitiços muito potentes ou com energias pesadas -, tente se comunicar com o Genius Loci do seu lar e informar a ele o que está sendo feito. Se você não tem muita intimidade com ele, não precisa pedir auxílio, mas peça permissão para realizar a atividade mágica. Faça uma oferenda a ele ao final, e reafirme que as atividades mágicas são feitas pensando no melhor para seu lar e para você, enfim. 
   Você pode conversar e meditar com o espírito da sua casa da maneira que preferir, e na frequência que mais for confortável para você. Acenda velas de vez em quando, ou oferte bebidas e comidas que achar apropriadas. O melhor é sempre tentar perguntar diretamente para o espírito o que ele gosta e como é a melhor maneira de trabalhar com ele, pois cada Genius Loci possui uma personalidade única, influenciada pela energia do lugar ao qual está conectado. 
   Lembre-se que um Genius Loci é um espírito, e espíritos podem se comunicar de muitas formas além de palavras. Fique atento para os sinais, e confie na sua intuição. Se acontecer alguma dúvida, pergunte diretamente para o espírito em meditação ou ao consultar algum método divinatório. Eles podem lhe avisar em sonhos ou de outras formas os tipos de desarmonia na sua residência e como resolver, indicar ataques mágicos que você recebeu ou foram impedidos de lhe atingir, e outras bençãos despercebidas se tornarão ocasionais.

Se Reconectando com os Genii Locorum locais!


   Escolha um local natural que você goste e fique próximo de sua casa. Pode ser seu pátio dos fundos, ou uma praça próxima. Quando estiver lá, leve uma vela verde, acenda, e saúde o Genius Loci do lugar. Respire fundo, e permita-se limpar sua mente, sentindo-se conectado e enraizado com o chão sob seus pés.
   Expresse seus sentimentos para o espírito do lugar, informando a ele seu desejo de se conectar e honrá-los. Pode ser que ninguém responda, e leve algumas tentativas antes de você receber algum retorno. Diva de antemão que o espírito pode aparecer com diferentes aparências, seja como um animal, ser humano, ou algo diferente. Para reforçar seu compromisso e demonstrar interesse, você pode ir até o local algumas vezes e fazer as seguintes atividades:

• Colete lixo que você vê nesse local ou em outras áreas da sua cidade. Leve uma sacola plástica e luvas com você na mochila ou no carro, e certifique-se de juntar algumas embalagens ou garrafas sempre que sair. Essa é uma maneira muito efetiva de mostrar aos espíritos da terra que você se importa.
• Plante flores e ervas que ajudem os animais polinizadores. Mas ter plantas em sua casa no geral já é ótimo, especialmente se forem nativas da sua região.
• Faça apenas oferendas biodegradáveis ou que não poluam o ambiente. Uma sugestão é ofertar água e fertilizantes orgânicos (de preferência líquidos) para os Genius Loci; mas atente para as outras oferendas que você faz na natureza também! Como você espera que os espíritos naturais se conectem com você, quando você polui o ambiente ativamente?
• Opte por comprar produtos orgânicos em feiras de pequenos produtores locais, para evitar consumir alimentos contaminados com agrotóxicos. Embora não seja uma atitude diretamente relacionada com os Genius Loci, você estará ajudando o meio ambiente e cuidando do seu organismo e da sua família.
• Estude sobre folclore local, aprenda mais sobre os animais e plantas nativos, esteja alerta às frutas da estação, conecte-se de alguma forma com a natureza que lhe cerca. 

   Uma ideia muito boa e efetiva para trabalhar com os Genius Loci é traçar um perfil desses espíritos e os lugares aos quais estão conectados. Para criar o perfil, você pesquisará a geografia local, a fauna e a flora do lugar, os acontecimentos históricos que possam ter se passado ali, enfim. Você também pode descobrir sobre as tribos pagãs que habitaram esse lugar antes da colonização e suas crenças, pois isso pode trazer um entendimento sobre a energia natural do ambiente e as práticas mágicas que eram realizadas ali. Ao conhecer os animais e plantas, você já tem acesso a uma grande gama de simbolismos e correspondências mágicas para trabalhar com o espírito e a energia do local. Para conseguir uma imagem atualizada de qualquer área no mundo, você pode usar o Google Earth. Você pode usar as próprias coordenadas exatas na magia, por exemplo, ao escrever em um papel para usar como taglock (link mágico com o espírito). Aqui há mais informações e um exemplo detalhado de uma criação de perfil de Genius Loci em inglês.
   Quando você estiver mais acostumado a lidar com esses espíritos, tente visitar outros locais interessantes de sua região, especialmente aqueles que sejam famosos por serem sagrados ou históricos. Busque conhecer esses espíritos, e aprender mais sobre a natureza e a espiritualidade através deles. Observe a arquitetura, as cores e a vibe do lugar, e deixe que sua percepção lhe mostre as correlações. 
   E seja respeitoso, especialmente com os espíritos de locais que você somente vai para visitar. Sempre que retirar uma pedra, uma flor, ou um galho de algum lugar, agradeça, faça uma oferenda simples, nem que seja de água. Nenhum espírito é obrigado a lhe ajudar, portanto, seja gentil e respeitoso antes mesmo de pedir por alguma coisa, para garantir um bom relacionamento e evitar problemas futuros por ingratidão e prepotência.

 Algumas informações gerais daqui.
Algumas informações daqui.
Informações do folclore escandinavo daqui.

A trocar experiências com as personificações dos lugares,
   Alannyë Daeris.

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