sábado, 15 de novembro de 2014

O Mito da Deusa Negra

   A Deusa, enquanto jovem, não compreendia os mistérios da morte. Não entendia os motivos pelos quais os seres deviam perecer, e para pedir à Morte que retornasse o Deus de volta aos seus braços, partiu em busca dos domínios da Morte, em buscas de respostas. Sendo assim, adentrou na nau em direção ao submundo, onde deparou-se com o primeiro dos portais.
   O guardião do portal a disse, então, que para adentrar no reino da morte, ela deveria estar como todo ser vivo que os atravessam. Avisou, também, que haviam preços a se pagar, pois ela não poderia entrar e sair livremente deste reino no qual não dominava, e nem mesmo trazer alguém de volta, independente de quem fosse.
   A Deusa aceitou o preço a se pagar por seu amado, e foi conduzida pelo guardião como um ser que busca o ingresso no reino dos mortos. 

   No primeiro portal, a Deusa deixou seu cetro, o símbolo de poder pessoal e também de domínio sobre as coisas que nos rodeiam. O cetro, utilizado por reis, é um símbolo de autoridade para consigo, mas também para com as coisas próximas de nós.
   No segundo portal, sua coroa. A coroa é o símbolo de poder e autoridade com tudo e todos, e ao renunciá-lo, a Deusa acabava por ser como todos os outros seres ali, não sendo superior nem inferior a ninguém - apenas igual.
   No terceiro portal, o colar é deixado para trás. O colar representa que nenhum tipo de riqueza ou joia tem importância quando estamos buscando o verdadeiro conhecimento.
   No quarto portal, o anel é dado. O anel, além de representar também as riquezas e o mundo material, representa os laços amorosos entre nossos semelhantes, bem como representa a inteligência que de nada serve no submundo.
   No quinto portal, a Deusa despede-se de sua guirlanda. Despir-se da guirlanda que criamos é como deixar nossas máscaras caírem, mostrarmo-nos como realmente somos, todas as nossas imperfeições e defeitos livres e puros.
   No sexto portal, as sandálias são descalças. Este ato representa todos os pensamentos e filosofias que adquirimos durante nossa jornada, deixar tudo o que cremos e pensamos para trás em busca de novos pensamentos e novas crenças.
   Por último, no sétimo portal, o vestido da Deusa é deixado cair por terra. O vestido demonstra todas as coberturas e máscaras que nos vestimos, tudo o que encobre nosso espírito e nos impede de sentirmos os Deuses e perceber os mistérios.

   A Deusa, então, completamente nua, atravessa o último portal, chegando finalmente ao reino onde a Morte reina. No entanto, a beleza que a Deusa emanava era tão estonteante que a própria Morte ajoelhou-se aos seus pés. A Morte colocou sua espada e sua coroa aos pés da Deusa - um ato que representa a submissão e a entrega, demonstrando que sua espada servirá para ceifar as vidas que apenas a Deusa desejar; e a coroa, assim como o ato que a Deusa fez durante o segundo portal, demonstra a renúncia da autoridade e do poder.
   Ajoelhada aos pés da Deusa, a Morte disse-lhe: "Abençoados são seus pés, que trouxeram-na por esta senda até mim.". A Morte, então, levantou-se, dizendo: "Fique comigo, eu lhe imploro, e deixe que seu coração seja tocado apenas por mim.".

   A Deusa negou-lhe os pedidos, dizendo: "Eu não lhe amo! Por que fazes tudo o que amo fenecer e morrer? Busco ter meu amado em meus braços novamente, para que eu possa então estar completa mais uma vez.". A Morte, então, explicou-lhe: "Minha Senhora, eu sou o tempo e o destino. Eu não escolho quem perece ou quem vive, mas dou-lhes abrigo, paz e força para que retornem à vida. Eles podem, então, abrigar-se no seu brilho, e assim retornar renovados para a vida. Mas eu lhe imploro, pois tu és adorável e vívida, te peço para que não retornes, e sim para que vivas aqui, junto de mim.".
   "Não, pois eu não te amo.", respondeu-lhe a Deusa. A Morte, impassível, responde-lhe, mudando de posição. "Então, se negas meus pedidos e desejos, terás de aceitar meu açoite, uma vez que estás em meus domínios, e não tens poder algum aqui.".
   A Deusa acatou a ordem, proclamando que, se precisaria ser assim, então que seria assim, pois faria tudo que fosse necessário a fim de retornar seu amado, o Deus, para a vida. Ajoelhou-se perante as mãos da Morte, que a açoitou, ao que a Deusa exclamou: "Eu reconheço agora tua dor, que vem a ser a mesma proveniente do amor.". A Morte a levantou, dizendo: "És abençoada, minha Dama, minha Rainha.", e deu-lhe os cinco beijos da iniciação, dizendo: "Somente assim podes ambicionar a sabedoria e o prazer.".

   A Morte, durante o tempo que a Deusa permaneceu em seu reino, ensinou-a todos os seus mistérios, contemplando-a com o círculo do renascimento. E a Deusa ensinou à morte seus mistérios, o cálice sagrado e o caldeirão da transmutação.
   Elas se uniram em uma durante o período que a Deusa permaneceu no submundo. Ao final deste tempo de aprendizagem em que esteve no submundo, a Deusa retornou grávida de seu amado, pois já compreendia os mistérios da vida e da morte, e agora tinha em si o poder de viver e morrer pelo amor de seu amado, assim como ele poderia sempre retornar aos seus braços, em busca do amor que ambos encontrariam somente um no outro.
   Assim, a Deusa Negra, a face mais obscura da Deusa, é a que existiu no submundo, se mantendo conhecedora apenas dos mistérios da morte e do tempo, e por isto, nos auxilia com os mistérios de nosso ser, nossos segredos e medos obscuros. Ela foi torturada e sofreu para que entendesse as verdades, e por isto, é repleta de mistérios, mas nem por isto é uma Deusa má.

   Assim, existem apenas três mistérios na vida: o sexo, o nascimento e a morte, e o amor domina todos estes mistérios. Para conhecermos o amor, precisamos encontrá-lo, reconhecê-lo, lembrá-lo e amá-lo verdadeiramente, como a Deusa entregou-se à Morte, para poder sempre ter seu amado em seus braços novamente. E ao aproximarmo-nos da morte, precisamos renunciar tudo, menos o Amor, pois é ele quem nos retornará à vida, no útero da Deusa.

Um comentário:

  1. Esta história é belíssima e lembra em muito os mitos de Perséphne e Hades, bem como de Isis e Osíris. Sempre que a leio revejo a sabedoria dos detalhes que a compõem.

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